Florestan, Lula e o trabalho infantil
Por Mouzar Benedito.
Nada melhor do que inaugurar minha participação no blogue de uma editora de esquerda, que publica livros de sociologia, do que “falar” sobre Florestan Fernandes.
Mas não é sobre algum texto dele ou sua genialidade e coerência como sociólogo.
É que lendo sobre ele, pensei: “Será que Florestan teria sido o homem e o sociólogo que foi, se na sua infância já existisse o Estatuto da Criança e do Adolescente?”.
Ah, se um promotor de hoje pega uma mãe que deixa o filho começar a trabalhar aos seis anos e abandona a escola aos oito!
Não pensem que sou contra esse Estatuto, que seja a favor da exploração do trabalho infantil. Ao contrário, gostaria que ele fosse aplicado radicalmente contra os adultos que os exploram, seja em carvoarias e trabalhos degradantes ou nas ruas de São Paulo, colocando-os para pedir dinheiro ou vender qualquer coisa nos semáforos e nos bares, neste caso até tarde da noite.
E gostaria que funcionasse menos no caso de moleques metidos a malandros que ameaçam de denunciar com base no Estatuto os pais que querem que mudem de comportamento.
Voltando ao Florestan, ele afirmou em 1977: “Iniciei minha aprendizagem aos seis anos, quando precisei ganhar a vida como se fosse um adulto”. E mais: “Eu nunca teria sido o sociólogo em que me converti sem o meu passado e sem a socialização pré e extraescolar que recebi das duras lições de vida”.
Nascido em 1920 (morreu em 1995), em São Paulo, filho natural de uma empregada doméstica, aos seis anos, fazia biscates e foi engraxate. Parou mesmo de estudar aos oito anos, para aumentar a receita da casa, pois sua mãe, então trabalhando como lavadeira e morando em cortiços e pensões, ganhava muito pouco. Ele só voltou ao ensino regular aos dezessete, para fazer o curso de madureza. Sentiu na pele as injustiças sociais.
Lia muito e, trabalhando como garçom, fez vestibular e entrou no curso de sociologia.
Imaginemos que, em vez de trabalhar, fosse a uma escola pública e ficasse o resto do dia à toa, num ambiente problemático, sem lazer e sem atividades culturais. Qual seria o seu futuro? Impossível adivinhar. Poderia até ter se tornado a pessoa admirável que foi, mas parece mais provável que não.
Lembrei-me também do ex-presidente Lula, que contava sempre da vida heroica de sua mãe, com um monte de filhos. Ele mesmo, criança, vendia amendoim para ajudar a sustentar a família. E chegou a afirmar que ele, irmãos e irmãs cresceram dignamente, ninguém virou marginal, graças à decência e capacidade da mãe para fazer os filhos trabalhar desde cedo.
Então, é preciso saber discriminar o que é exploração da criança e o que não é, entender as necessidades reais das crianças e suas famílias, o que nem sempre os encarregados de fazer cumprir as leis sabem.
Mais uma lembrança: Ricardo Kotscho conta, em um dos seus bons livros, que quando começou a trabalhar como repórter, foi encarregado de apurar uma denúncia de que um homem que tinha uma olaria na periferia de São Paulo punha no trabalho dois filhos ainda crianças.
Ele foi lá, era verdade. Mas o homem mostrou a ele que não tinha como manter a olaria funcionando sem ajuda dos filhos, pois não tinha renda para contratar um ajudante. Provou, mostrando o boletim escolar, que os meninos frequentavam a escola regularmente e tinham tempo para estudar. Tinham boas notas.
De volta ao jornal, Kotscho procurou o editor, e explicou que se a matéria fosse publicada podia ir algum fiscal do trabalho, fechar a olaria do sujeito e acabar com seu meio de vida. O editor disse que isso não era problema dele (Kotscho), nem do jornal. A obrigação dele era publicar a matéria. Publicou. Algumas semanas depois, voltou à olaria. Estava fechada. Os vizinhos disseram que uns fiscais foram lá e fecharam. Sem condições de sobreviver ali, a família se mudou para uma favela de São Paulo. Os filhos não trabalhavam mais.
Será que foram mais felizes e se tornaram cidadãos melhores do que teriam sido trabalhando com o pai?
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Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária(1996) e Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças-feiras.
Discussão bastante complicada.
Por mais que possa haver aí uma relação, acredito que, de modo geral, não devemos relacionar nunca coisas boas como ser feliz ou se tornar um grande pensador com algo tão unanimamente prejudicial como o trabalho infantil.
É claro que o trabalho, bem como o sofrimento, “enobrece” e traz aprendizados na vida, independentemente do momento em que ocorram. Porém, ainda que haja benefícios, talvez Florestan ou Lula, se pudessem escolher, teriam escolhido não terem vivido esse tipo de infância.
O trabalho infantil, no cômputo geral, é e sempre foi prejudicial.
A vida impressionante de Florestan e Lula devem ser vistas como verdadeiros casos de superação, de vitória APESAR da dura infância, e não uma fórmula que por vezes pode dar em algo bom.
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Um bom tema para o blog da Boitempo.
Aparentemente esta era uma questão consolidada dentro da minha opinião, que se sintonizava com o Estatuto em questão. No entanto, nenhuma circunstância pode ser excluída dentro do debate de um tema tão amplo. Sugiro a leitura desse blog https://4poderes.com.br/ que também abre esse tipo de discussões.
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Olá pessoal! estou encerrando o curso de Direito e meu tcc é sobre o trabalho infantil, achei estremamente pertinente seu questionamento sobre a diferenciação do trabalho infantil para a exploração do trabalho infantil, e da mesma forma que nossos legisladores protegem as crianças deveriam amparar seus responsaveis, afim de que possam sustentar suas familias de uma forma digna, agora no que diz respeito a exploração infantil, nós sociedade somos tão coniventes quanto quem se beneficia ao deixarmos de ser participativos no combate a tal exploraçaõ.Sinceramente como mãe de três crianças acredito que quando se maltrata ou se explora uma criança não é apenas uma criança, são nossas crinaças e a dor é a mesma .
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