O mundo louco de Basil Wolverton
AUTO-RETRATO DO QUADRINISTA, CARICATURISTA E ILUSTRADOR BASIL WOLVERTON (1909-1978).
Os desenhos mais estranhos que você já viu. Talvez esta seja uma boa forma de definir a arte de Basil Wolverton, um dos mais influentes cartunistas do século passado, que chegou a ser chamado de o “Michelangelo da revista Mad”. Houve quem tivesse nojo de sua obra e a qualificasse como “feia”. Outros o achavam genial e viam em seus trabalhos uma força ímpar, a expressão de uma destreza técnica tremenda, sem igual.
Wolverton vendeu seu primeiro cartoon em 1926, quando ainda era estudante do colegial. Depois vieram muitos, muitos outros… Quem pegar um gibi do Spacehawk, da Space Patrol ou do Rocketman terá certeza de que está diante de um artista com um traço diferente de qualquer outro de sua época.
Suas HQs de terror e ficção científica eram verdadeiramente sensacionais (só nos anos cinquenta prepararia dezessete revistinhas para a Marvel). O leitor que tiver a oportunidade deve dar uma olhada nas emblemáticas The Brain-bats of Venus, Nightmare World, The Man Who Never Smiled, The Eye of Doom e até mesmo Robot Woman, de 1952, que começava de maneira irônica e provocadora: “Though she was formed of metal and plastic, her creator claimed she was the perfect woman!” [“Embora fosse composta de metal e plástico, seu criador alegava que ela era a mulher perfeita!”].
O visual destas aventuras é tão original que fica-se com a sensação de que basta apreciar os quadrinhos e deixar de lado a própria narrativa…
NIGHTMARE WOLRD, por Basil Wolverton
[clique nos quadrinhos para visualizar a história completa em alta resolução]
Todas essas experiências nos quadrinhos foram importantes, mas provavelmente nada se compararia a um evento específico que marcaria a carreira do ilustrador, tornando-o conhecido em todos os Estados Unidos. Em meados dos anos quarenta, o colega Al Capp, nas historietas de seu personagem mais conhecido, Li’l Abner, se referia constantemente a uma tal “Lena the Hyena” [Lena, a hiena], em teoria uma das mulheres mais horrorosas do mundo (ou melhor, ela seria “the ugliest girl in Lower Slobbovia” [“a moça mais horrorosa da Baixa Slobbovia”])! Mas o cartunista se recusava a mostrar o rosto da personagem, que era sempre tampado com uma tarja branca onde se lia “removido pelo editor”! Afinal, ela seria tão pavorosa que assustaria os leitores! A pressão do público, contudo, chegou a um ponto de ebulição: as massas pediam, recorrentemente, para Capp desvendar a face repelente de Lena. Só que ele travou. Simplesmente não conseguia colocar no papel uma imagem que fizesse jus às expectativas dos fãs. A insistência foi tanta que o desenhista acabou achando uma forma de resolver a questão: lançou um concurso nacional para encontrar o desenho que representasse com maior fidelidade aquela figura repugnante.
Diz a lenda que os jurados da contenda foram ninguém menos que Boris Karloff, Frank Sinatra e Salvador Dalí! Convenhamos, é difícil encontrar um grupo mais heterogêneo e estranho do que este! Pois entre os 500 mil concorrentes que mandaram caricaturas, Wolverton venceu! Sua versão de Lena foi considerada a mais monstruosa e acabou sendo divulgada não só nas tirinhas de Capp como ainda saiu na capa da Life.
Foi a partir daí que este autodidata nascido no Oregon desenvolveu seu estilo peculiar, tornando-se o rei do “Spaghetti and Meatball School of Design” [escola “espaguete e almôndegas” de desenho]. Sua obra é vasta. Afinal, Basil passou por diversas revistas, como Mad, Cracked (que no Brasil era publicada como Pancada), Mystic, Weird e Plop!
Wolverton poderia ser chamado de um “modernista vulgar”, com um estilo excêntrico, bastante peculiar. Ele explorou o grotesco e o bizarro, rompendo com convenções, usando o absurdo e a loucura em suas explorações estéticas. Certamente atacava as expectativas de um público mais convencional.
Seus personagens, estranhíssimos, pareciam derreter: os olhos esbugalhados saltavam da cara; os dentes, podres e tortos, se projetavam para fora da gengiva; os rostos eram retorcidos, repletos de sulcos e erupções; os cabelos pareciam macarrão… Wolverton mostrava o que havia de mais horrível e, ao mesmo tempo, de cômico, no ser humano. Certamente influenciou vários outros artistas, entre os quais, o próprio Robert Crumb. E continua sendo, sem dúvida, uma fonte de inspiração para os desenhistas da nova geração.
Gostou? Leia também “Surfista prateado“, sobre o quadrinho americano dos anos 60 e “A rebeldia de Octobriana“, sobre a incrível personagem soviética de HQs, na coluna de Luiz Bernardo Pericás, no Blog da Boitempo!
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Conhece o Barricada, novo selo de quadrinhos da Boitempo? Como o próprio nome sugere, o selo se dedica a títulos libertários, de resistência, nacionais e internacionais, garimpados por , um conselho editorial composto por Luiz Gê, Ronaldo Bressane, Rafael Campos Rocha e Gilberto Maringoni.
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Luiz Bernardo Pericás é formado em História pela George Washington University, doutor em História Econômica pela USP e pós-doutor em Ciência Política pela FLACSO (México). Foi Visiting Scholar na Universidade do Texas. É autor, pela Boitempo, de Os Cangaceiros – Ensaio de interpretação histórica (2010) e do lançamento ficcional Cansaço, a longa estação (2012). Também publicou Che Guevara: a luta revolucionária na Bolívia (Xamã, 1997), Um andarilho das Américas (Elevação, 2000), Che Guevara and the Economic Debate in Cuba (Atropos, 2009) e Mystery Train (Brasiliense, 2007). Seu livro mais recente é Intérpretes do Brasil: clássicos, rebeldes e renegados, organizado em conjunto com Lincoln Secco. Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às sextas-feiras.
gostei bastante da matéria…. sou fã de mestre Wolverton.. obrigado.
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