Feminismo, eleições e crise do capital

Acaba de chegar a nova edição da Margem Esquerda com dossiê sobre feminismo e crise do capital com textos de Talíria Petrone, Jandira Feghali, Fátima Bezerra e Sofia Manzano, além de entrevista com Roswitha Scholz, artigo de Nancy Fraser sobre a questão climática, conferência de Angela Davis, poema de Lady Montagu, imagens de Vera Chaves Barcellos e muito mais.


Retratos, 1992, de Vera Chaves Barcellos, parte do ensaio visual da Margem Esquerda n. 38.

Acaba de chegar o novo número da Margem Esquerda – com um dossiê sobre feminismo e crise do capital com textos de Talíria Petrone, Jandira Feghali, Fátima Bezerra e Sofia Manzano. A edição ainda conta com uma entrevista com Roswitha Scholz, um artigo de Nancy Fraser sobre a questão climática, uma conferência de Angela Davis sobre a Dialética negativa, de Theodor W. Adorno, poema de Lady Montagu, imagens de Vera Chaves Barcellos e muito mais. Confira abaixo a apresentação da edição feita por Artur Renzo, a live de lançamento e o sumário completo.


Por Artur Renzo

Entramos no terceiro ano de pandemia e no quarto de governo Bolsonaro mergulhados em calamidades políticas, econômicas, sociais, institucionais, sanitárias e ecológicas. Se, para alguns, atravessamos um interregno decisivo marcado por uma crise de hegemonia, para outros, o próprio termo crise já não dá mais conta de descrever uma conjuntura que cada vez mais se assemelha a uma longa e arrastada tempestade perfeita. Há pouca dúvida, no entanto, de que é preciso reagir politicamente, e que esse cenário crítico que parece não comportar um momento ótimo de resolução é terreno fértil para as tendências fascistas latentes no capitalismo. Pois não só no Brasil a extrema direita saiu na frente, nadando de braçada em um mercado aquecido para as suas falsas soluções antissistêmicas.

Cada um a sua maneira, os textos reunidos nesta Margem Esquerda buscam formular saídas e refletir sobre como reorganizar os esforços do nosso campo. No dossiê, Sofia Manzano, Talíria Petrone, Jandira Feghali e Fátima Bezerra traçam diagnósticos do país e avaliam as perspectivas postas pelo horizonte eleitoral. Organizada por Juliana Paula Magalhães e Fernando Garcia, a seção oferece uma espécie de retrato das elaborações dos principais partidos políticos da esquerda – nas vozes de quatro de suas mais enérgicas representantes – neste momento crucial da história nacional.

Para Nancy Fraser, o nome da solução é ecossocialismo transambiental. No ensaio de fôlego que abre nossa sessão de artigos, a filósofa feminista estadunidense defende a tese de que a centralidade que a questão climática adquiriu nos últimos anos tem o potencial de articular um amplo consenso global anticapitalista. Sua aposta é de que a chave para unificar diversas frentes de luta em torno desse projeto é partir da questão ecológica para desenvolver uma concepção ampliada, não economicista, de capitalismo.

Roswitha Scholz também insiste na imbricação entre crise ecológica, dominação da natureza e patriarcado na sua crítica do capitalismo. Em conversa com Taylisi Leite e Marcos Barreira, a pensadora alemã repassa sua trajetória intelectual e lê o mundo pós-covid-19 à luz da sua teoria do valor-cisão, uma síntese sofisticada da dialética negativa adorniana com feminismo marxista.

Em diálogo com a entrevista, trazemos como “documento” deste número uma rara conferência preparada por Angela Davis em 1967 para um seminário sobre a então recém-publicada Dialética negativa. Além de demonstrar o pleno domínio da jovem estudante de 23 anos sobre uma das elaborações mais avançadas da teoria crítica da época, o texto também é marca de uma encruzilhada de sua trajetória política: trata-se de uma de suas últimas produções teóricas antes de abrir mão de concluir seu doutorado na Alemanha, sob orientação de Adorno, para tomar parte nas lutas que eclodiam nas ruas dos EUA.

A dialética negativa faz ainda uma última parada, em solo nacional, no artigo “Ideias em trânsito”, em que o sociólogo Fabio Mascaro Querido analisa o percurso intelectual de Paulo Arantes a fim de atinar com a originalidade de sua teoria crítica – um “espírito do pessimismo organizado” propriamente periférico que já não pode mais se fiar no desenlace progressista da crítica imanente. Fechando a seção de artigos, o cientista político Joachim Hirsch, um dos principais expoentes do debate marxista da derivação do Estado, escreve sobre as implicações teóricas da “internacionalização” do aparato estatal.

É sobre a obra da vida de István Meszáros a primeira resenha desta edição: Frederico Daia Firmiano destrincha a crítica radical do Estado em Para além do Leviatã, ressaltando a importância do livro para a teoria da transição legada pelo filósofo húngaro. Na sequência, Juliana Borges reflete sobre o entrelaçamento da história de um indivíduo com a de um país na biografia de Lula escrita por Fernando Morais; Daniel Feldmann resenha os ensaios de Moishe Postone sobre antissemitismo e nacional-socialismo, faceta pouco conhecida do autor no Brasil; Luiz Felipe Osório discute a relação entre marxismo e relações internacionais a partir de coletânea organizada por Ana Prestes e Diego Pautasso; e Antonio Augusto Galvão de França ressalta o peso da obra de Alysson Mascaro no mundo jurídico a partir de seu mais novo livro, Sociologia do direito.

O ensaio visual que atravessa as páginas desta revista é da artista plástica gaúcha Vera Chaves Barcellos. Nas palavras de Francisco Klinger Carvalho, responsável pela curadoria, “seu trabalho explora o limite da linguagem e dos seus usos, questionando categorias artísticas como de originalidade e autenticidade, muitas vezes através de imagens repetidamente reproduzidas, propondo uma reflexão entre a relação natural e cultural”. Fechando a edição, Flávio Aguiar recupera a incrível história e a poesia da escritora setecentista Lady Montagu, hoje praticamente esquecida mas cujos experimentos pioneiros com inoculação contra a varíola contribuíram para a invenção da vacina.


Confira a live de lançamento da Margem Esquerda #38 com Juliana Magalhães, Sofia Manzano, Talíria Petrone e Tamires Gomes Sampaio (mediação):


Sumário completo

Apresentação
Artur Renzo

ENTREVISTA
Roswitha Scholz
Taylisi Leite e Marcos Barreira

DOSSIÊ: Diagnóstico do Brasil e conjuntura eleitoral – balanços e perspectivas
Apresentação
Juliana Paula Magalhães e Fernando Garcia de Faria

Capitalismo completo, desenvolvimento e programa político
Sofia Manzano

“Não há tempo que volte, amor”: Vamos mudar tudo que há para mudar, vamos nos permitir
Talíria Petrone

2022 tem a marca da esperança
Jandira Feghali

Os imperativos da conjuntura brasileira
Fátima Bezerra

ARTIGOS
O clima do capital: por um ecossocialismo transambiental
Nancy Fraser

Ideias em trânsito: Paulo Arantes e as viagens da (crítica à) dialética
Fabio Mascaro Querido

O Estado se tornará privado? Implicações teóricas da “internacionalização” do Estado
Joachim Hirsch

DOCUMENTO
Introdução à Dialética negativa
Angela Davis

RESENHA
Mészáros e a crítica radical do Estado
Frederico Daia Firmiano

NOTAS DE LEITURA
Antissemitismo e nacional-socialismo: escritos sobre a questão judaica, de Moishe Postone
Daniel Feldamann

Lula, volume 1: biografia, de Fernando Morais
Juliana Borges

Teorias das Relações Internacionais: contribuições marxistas, de Ana Prestes e Diego Pautasso (orgs.)
Luiz Felipe Osório

Sociologia do direito, de Alysson Leandro Mascaro
Antonio Augusto Galvão de França

POESIA
A esquecida Lady Montagu, suas vacinas e sua poesia
Flavio Wolf de Aguiar

Hino à Lua
Lady Montagu

IMAGENS
Vera Chaves Barcellos
Curadoria: Francisco Klinger Carvalho


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Margem Esquerda é a revista semestral da Boitempo. Ela traz ensaios de fôlego sobre os principais acontecimentos de nosso tempo e sobre a conjuntura sociopolítica no Brasil e no mundo, além de estudos sobre autores clássicos e contemporâneos do pensamento crítico e entrevistas aprofundadas que traçam trajetória intelectual, política e cultural de figuras de destaque da esquerda de hoje.

Com um conselho editorial composto por pensadores do calibre de Alysson Leandro Mascaro, Boaventura de Sousa Santos, Heloísa Fernandes, José Paulo Netto, Luiz Bernardo Pericás, Maria Lygia Quartim de Moraes, Michael Löwy, Paulo Arantes, Ricardo Antunes, Roberto Schwarz e Slavoj Žižek, entre outros, a revista vem contribuindo incisivamente para a difusão da teoria marxista, consolidando-se como um importante espaço de debate teórico e político da esquerda brasileira.

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Artur Renzo é editor e tradutor. Formado em filosofia e em cinema, atualmente desenvolve pesquisa de mestrado no Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo.

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