Lênin contra a passividade
Com insuperável lucidez dialética, Lênin deixou claro que, vitoriosamente resolvida a contradição entre o povo russo e o tsarismo, a contradição entre a propriedade camponesa e a luta operária pelo socialismo tornar-se-ia dominante.
Por João Quartim de Moraes
Dezembro de 1904: os 12 mil operários do complexo fabril Putilov, em São Petersburgo, entram em greve. O movimento logo se propagaria por outros centros industriais, de Moscou a Baku. Na capital do Império, em 9 de janeiro de 1905, o padre Gapone, à frente de imensa multidão, levou ao tsar uma petição respeitosa expondo a miséria do povo e clamando por reformas. A resposta veio do exército imperial: abriram fogo sobre os manifestantes. O massacre, dito do “Domingo Sangrento”, suscitou uma vaga de revolta que percorreu a Rússia.
Em junho-julho de 1905, quando Lênin escreveu Duas táticas da social-democracia na revolução democrática, a revolta dos camponeses se aprofundava, ocupando latifúndios e reivindicando a nacionalização da terra. A burguesia pedia reformas liberais. A derrubada do tsarismo estava no horizonte, mas o regime dispunha de margem de manobra. Deviam os bolcheviques se pôr à frente das lutas em curso? Segundo os mencheviques, se a revolução tinha objetivamente caráter burguês, cabia à burguesia dirigi-la; a revolução dos operários era a socialista. Contra essa passividade travestida de rigor programático, Lênin desafiou a ortodoxia social-democrata. O resultado da revolução democrática não estava decidido de antemão. A burguesia tinha interesse na liberalização política, mas queria sobretudo remover os entraves feudais à expansão de seus negócios. Só a aliança dos operários com os camponeses poderia conduzir a dinâmica revolucionária em curso a suas mais avançadas consequências: derrubada da autocracia militar feudal e instauração da ditadura democrática das duas grandes forças populares em luta.
Mesmo levada até o fim, a revolução democrática não poderia, porém, alterar por decreto as condições sociais objetivas. Os camponeses aliavam-se aos operários porque percebiam que seriam estes e não a burguesia liberal que apoiariam a fundo sua reivindicação maior: confiscar os latifúndios, distribuir a terra. Mas o acesso, individual ou cooperativo, à propriedade da terra se inscrevia na lógica da produção para o mercado, portanto nos limites burgueses da economia. Com insuperável lucidez dialética, Lênin deixou claro que, vitoriosamente resolvida a contradição entre o povo russo e o tsarismo, a contradição entre a propriedade camponesa e a luta operária pelo socialismo tornar-se-ia dominante.
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Sexto volume da coleção Arsenal Lênin, Duas táticas da social-democracia na revolução democrática foi escrito em 1905 e é uma das primeiras e mais importantes obras políticas de Lênin. O livro aponta questões importantes para os movimentos daquele ano, tido por muitos como marco inicial da agitação política russa, e aponta tarefas da classe operária para os anos subsequentes, que culminariam na Revolução de Outubro de 1917.
Publicado durante o exílio de Lênin em Genebra, na Suíça, o livro expõe diferenças fundamentais que surgiram na época entre os bolcheviques e os mencheviques, além de trazer aspectos teóricos importantes, como uma contribuição ao conceito de “ditadura do proletariado” e a noção de “revolução ininterrupta”, análoga, sob muitos aspectos, à de “revolução permanente”, de Trótski.
“Em 1905, Lênin amadurece uma de suas mais brilhantes intuições, que encontra sua elaboração em Duas táticas: aquela que passou à história como a ideia da hegemonia proletária na revolução burguesa.”
– Umberto Cerroni
“A Revolução de 1905 foi o melhor teste para a análise de Lênin sobre a especificidade da formação econômico-social russa e para a sua ideia sobre as funções e o modo de agir de uma organização revolucionária em um contexto de levante. Este colocou em evidência, pela primeira vez na Rússia, o tema da autonomia política do proletariado e de sua organização. O texto Duas táticas da social-democracia na revolução democrática, concebido no pleno calor dos eventos, constituía a melhor síntese do assunto.”
– Gianni Fresu
Duas táticas da social-democracia na revolução democrática, de Vladímir I. Lênin, tem tradução de Edições Avante!, revisão da tradução de Paula Vaz de Almeida, prefácio de Gianni Fresu, apêndice de Umberto Cerroni, orelha de João Quartim de Moraes, capa de Maikon Nery e apoio da Fundação Maurício Grabois.
O livro fez parte da caixa de junho de 2022 do Armas da crítica, o clube do livro da Boitempo. Acesse o guia de leitura de Duas táticas da social-democracia na revolução democrática, livro 20 do clube.
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Disponível em nossa loja virtual e e-book à venda nas principais lojas do ramo:
Confira o lançamento de Duas táticas da social-democracia na revolução democrática com Gianni Fresu, João Quartim de Moraes, Marly Vianna e mediação de Gabriel Landi, na TV Boitempo:
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João Quartim de Moraes é professor colaborador na Unicamp e pesquisador do CNPq centrado em história do pensamento político, instituições brasileiras, materialismo antigo e moderno, e marxismo. Autor de diversos livros e artigos, no Brasil e na Europa. Graduou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade de São Paulo (1964), em Filosofia pela Universidade de São Paulo (1964), licenciou-se em Filosofia pela Universidade de São Paulo (1964) e doutorou-se (Doctorat D’État en Science Politique) na Fondation Nationale de Science Politique da Academia de Paris (1982). Foi professor titular da Universidade Estadual de Campinas de 1982 a 2005. Após aposentar-se, retomou as atividades docentes na condição de professor colaborador voluntário na mesma Universidade.
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