Capitalismo, guerra e eleições do fim do mundo
A Margem Esquerda deste semestre tem como tema central a guerra. Esse é o eixo que atravessa a revista de ponta a ponta, desde as análises sobre o conflito na Ucrânia até a reflexão sobre a redescoberta da política como guerra pela extrema direita brasileira, passando pela radiografia das perigosas redes de poder na frente amazônica de acumulação de capital. Confira abaixo a apresentação da edição feita por Artur Renzo!
Sonhos de outubro, 2019, de José Spaniol, parte do ensaio visual da Margem Esquerda n. 39.
Acaba de chegar o novo número da Margem Esquerda! O dossiê sobre capitalismo e guerra, organizado por Luiz Bernardo Pericás e Luiz Felipe Osório, tem textos de Angelo Segrillo, João Quartim de Moraes, Alex Callinicos e Tomasz Konicz. A edição conta ainda com uma entrevista com Marly Vianna, artigos de David Harvey, Gilberto Maringoni, Paulo Arantes e Maria Orlanda Pinassi, poema de Maya Angelou, imagens de José Spaniol e muito mais. Confira abaixo a apresentação da edição feita por Artur Renzo, o sumário completo da revista e informações sobre a live de lançamento, que acontece hoje na TV Boitempo.
Por Artur Renzo
Guerra e capitalismo, sabemos, andam de mãos dadas – desde as instâncias de dita acumulação primitiva até os momentos mais agudos de crise, passando pelas ilhas de “pacificação”. O desafio é identificar as novidades e fissuras dessa dinâmica casada. Para os professores Luiz Bernardo Pericás e Luiz Felipe Osório, a invasão russa à Ucrânia deflagrada em fevereiro representa um divisor de águas nas relações internacionais. Esse é o ponto de partida do dossiê de capa organizado pela dupla. “A hegemonia econômica e militar dos Estados Unidos e de seus aliados do ‘bloco ocidental’ enfrenta agora uma forte contestação, ainda que por vias turvas”, explicam. “A fratura mais exposta desse embate é, indisfarçavelmente, a posição minoritária e subordinada dos europeus dentro do condomínio do poder mundial, uma vez que, não apenas o fracasso das sanções econômicas, mas os efeitos da guerra vão colapsando o continente.”
Cientes de que a própria esquerda se encontra dividida em relação ao conflito, a proposta foi “reunir contribuições de importantes pensadores do cenário nacional e internacional de maneira a franquear ao leitor um vasto horizonte de compreensão”. Abre a sessão um precioso painel de subsídios para entender a guerra na Ucrânia escrito por Angelo Segrillo, especialista em história da Rússia e das ex-repúblicas soviéticas. Em seguida, João Quartim de Moraes traça uma análise arguta e direta sobre o envolvimento da Otan e sua contraposição pela frente russa. Coube a Alex Callinicos qualificar a nova fase do imperialismo inaugurada pelo conflito. Por fim, Tomasz Konicz faz um original e refinado exame dos aspectos econômicos da guerra a fim de dimensionar seus possíveis impactos e desdobramentos. “Por meio de perspectivas heterogêneas, retrata-se não apenas a importância, mas a essencialidade deste debate candente e inconcluso, em função de seus efeitos concretos no cotidiano das populações pelo mundo, da forma política do capitalismo internacional, o imperialismo”, concluem os organizadores.
Em diálogo com o dossiê, David Harvey alerta para o fator nuclear na dinâmica de escalada no conflito russo-ucraniano e compara a situação atual à crise dos mísseis de 1962; e Marcos Barreira mapeia nos escombros da guerra em curso o surgimento de uma nova “ordem multipolar”, ainda mais frágil e caótica do que a anterior, marcada por um novo tipo de barbárie.
Escrevendo direto do front entre o “capitalismo-inferno e o mundo-cielo”, Maria Orlanda Pinassi e Isabella Di Guastalla fazem uma radiografia das redes de poder na Amazônia hoje, denunciando os vasos comunicantes entre o mercado financeiro global e o extrativismo sanguinário que, em junho deste ano, tirou as vidas do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Philips. Na sequência, Gilberto Maringoni traça um balanço preliminar das novas forças políticas na América Latina e procura responder em que medida o continente passaria por um novo ciclo progressista. Os teóricos contemporâneos da inteligência artificial são objeto de leitura crítica de Maurilio Lima Botelho em ensaio dedicado a investigar os impactos e horizontes sociais da revolução microeletrônica em curso. Encarando um “campo progressista” ainda atônito diante da redescoberta da política como guerra pela extrema direita, Paulo Arantes fecha a sessão com uma afiada reflexão sobre as “eleições do fim do mundo”, à sombra da Esfinge de Junho de 2013.
A entrevistada da vez é a historiadora Marly Vianna, militante comunista e referência no estudo sobre a revolta paulista de 1935. Numa conversa em dois tempos com Augusto Buonicore (em 2015) e Fernando Garcia (em 2022), ela revisita sua trajetória política e acadêmica, além de esboçar comentários sobre a conjuntura brasileira e mundial. José Spaniol é o artista plástico convidado para este número. Segundo Francisco Klinger Carvalho, curador de arte da revista, sua obra “explora as potencialidades da verticalidade e da horizontalidade, evocando uma sensação de instabilidade”. São trabalhos que elaboram uma troca entre a função utilitária e a poética, acrescenta Klinger, para quem “esses deslocamentos geram estranhamento e nos colocam sob novas condições de percepção”.
O documento desta edição articula um par de efemérides: os cem anos do PCB e o bicentenário da Independência. Nele, Astrojildo Pereira, então Secretário-Geral do recém-fundado Partido, demonstra como os historiadores burgueses oficiais ocultavam o verdadeiro sentido histórico e social do 7 de setembro ao insistirem em uma narrativa heróica e teatral, dissociada da luta de classes. A nova edição das obras completas de Astrojildo são inclusive objeto de resenha do sociólogo Marcelo Ridenti. Nas notas de leitura, Flávio Rocha apresenta a coletânea A volta do Estado planejador, organizada por Gilberto Maringoni, e Leonardo Godoy Drigo escreve sobre o novo livro de Juliana Paula Magalhães.
Em uma comovente homenagem a uma de suas mentoras políticas, Douglas Rodrigues Barros recupera a história de vida de Carmen Sampaio Amendola, a Carmela. E foi com os versos potentes e singelos da ativista e escritora estadunidense Maya Angelou que nosso editor de poesia, Flávio Wolf de Aguiar, escolheu fechar esta edição.
HOJE às 19h, não perca a live de lançamento da Margem Esquerda #39 com Paulo Arantes comentando as “eleições fim do mundo”, tema de seu artigo na edição, com mediação de Silvia Viana e abertura de Artur Renzo, na TV Boitempo:
Sumário completo
Apresentação
Artur Renzo
ENTREVISTA
Marly Vianna
Fernando Garcia de Faria e Augusto Buonicore
DOSSIÊ: Capitalismo, imperialismo e guerra na Ucrânia
Subsídios para entender a guerra na Ucrânia
Angelo Segrillo
A Otan e a frente russa
João Quartim de Moraes
Ucrânia: a nova face do imperialismo
Alex Callinicos
Vitória da Rússia na guerra econômica?
Tomasz Konicz
ARTIGOS
Dependência de trajetória, Ucrânia e guerra nuclear
David Harvey
Dinâmica de escalada e fragmentação global: a luta pela Ucrânia
Marcos Barreira
A solidão indígena no mundo-inferno da Amazônia
Maria Orlanda Pinassi e Isabella di Guastalla
Há um novo ciclo progressista na América Latina?
Gilberto Maringoni
Revolução microeletrônica e crise do capitalismo: uma leitura dos teóricos da inteligência artificial
Maurilio Lima Botelho
Antes que seja tarde demais: de Junho a outubro
Paulo Eduardo Arantes
DOCUMENTO
O centenário
Astrojildo Pereira
HOMENAGEM
Para sempre, Carmem!
Douglas Rodrigues Barros
RESENHA
Ao perdedor, as bananas
Marcelo Ridenti
NOTAS DE LEITURA
Crítica à subjetividade jurídica: reflexões a partir de Michel Villey
Leonardo Godoy Drigo
A volta do Estado planejador: neoliberalismo em xeque
Flávio Rocha
POESIA
Maya Angelou
Flávio Aguiar
A Rocha brada para nós hoje ou No pulsar da manhã
Maya Angelou
IMAGENS
José Spaniol
Curadoria: Francisco Klinger Carvalho
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A Margem Esquerda é a revista semestral da Boitempo. Ela traz ensaios de fôlego sobre os principais acontecimentos de nosso tempo e sobre a conjuntura sociopolítica no Brasil e no mundo, além de estudos sobre autores clássicos e contemporâneos do pensamento crítico e entrevistas aprofundadas que traçam trajetória intelectual, política e cultural de figuras de destaque da esquerda de hoje.
Com um conselho editorial composto por pensadores do calibre de Alysson Leandro Mascaro, Boaventura de Sousa Santos, Heloísa Fernandes, José Paulo Netto, Luiz Bernardo Pericás, Maria Lygia Quartim de Moraes, Michael Löwy, Paulo Arantes, Ricardo Antunes, Roberto Schwarz e Slavoj Žižek, entre outros, a revista vem contribuindo incisivamente para a difusão da teoria marxista, consolidando-se como um importante espaço de debate teórico e político da esquerda brasileira.
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Artur Renzo é editor e tradutor. Formado em filosofia e em cinema, atualmente desenvolve pesquisa de mestrado no Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo.
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