As visitas de Caio Prado Júnior ao centro do comunismo
"URSS, um novo mundo e O mundo do socialismo" (com seus dois textos) representa uma viagem não à URSS, mas ao mundo intelectual de Caio Prado Júnior – e não em relação à história do Brasil (pela qual ele é tão conhecido), mas sim em relação à sua grande esperança política: um país que pudesse servir de fonte e base para um mundo mais justo socialmente.
Cartaz de Gustav Kloutsis, de 1930, com fotomontagem mostrando Lênin gigante avançando contra uma barragem do Dnieper em construção e os dizeres “Da Rússia da NEP nascerá a Rússia socialista (Lênin)”.
Por Angelo Segrillo
URSS, um novo mundo e O mundo do socialismo apresenta dois “livros de viagem” à URSS, escritos por Caio Prado Júnior, grande estudioso da história do Brasil ligado ao Partido Comunista Brasileiro. Os relatos se deram em épocas bem diferentes tanto da história da União Soviética quanto do Brasil: 1933 e 1960. No contexto brasileiro, aconteceram em duas “janelas de oportunidade” relativamente democráticas logo antes de ditaduras pesadas, o Estado Novo de 1937 e o governo militar de 1964. Na URSS, Caio Prado presenciou a época de Stálin e a época do “degelo” de Khruschov. A visão deste importante intelectual brasileiro sobre a experiência soviética nesses dois momentos certamente é de interesse histórico.
Coloquei a expressão “livros de viagem” entre aspas, pois não se trata de livros de viagem tradicionais do século XX com descrição dos pormenores diários dos traslados. Nesse ponto, os dois textos de Prado Júnior se aproximam mais das narrativas de viajantes de séculos anteriores, aventureiros europeus que desbravavam terras distantes “exóticas” e se dedicavam, em suas obras, a descrever o funcionamento daquelas sociedades tão diferentes das suas. Caio dedica-se exaustivamente a descrever o funcionamento daquela sociedade tão “exótica” que era a soviética, em suas mais diversas áreas: educação, trabalho, relações sociais, política etc. Aproveita e toca em assuntos mais abstratos, como religião e liberdade, tirando também conclusões filosóficas a partir daí.
URSS, um novo mundo e O mundo do socialismo (com seus dois textos) representa uma viagem não à URSS, mas ao mundo intelectual de Caio Prado Júnior – e não em relação à história do Brasil (pela qual ele é tão conhecido), mas sim em relação à sua grande esperança política: um país que pudesse servir de fonte e base para um mundo mais justo socialmente. Acredito que lançar luz contextualizada sobre essa parte menos conhecida da obra de Caio Prado é, provavelmente, a maior contribuição que esta nova edição pode dar.
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URSS, um novo mundo e O mundo do socialismo é um lançamento inédito de duas obras de Caio Prado Júnior há bastante tempo sem reedições. URSS, um novo mundo teve sua primeira publicação em 1934, e O mundo do socialismo, em 1962. Ambas são baseadas em viagens realizadas por Caio à URSS – e, no segundo caso, também à China. Em 1933, o jovem intelectual visitou a URSS por aproximadamente um mês e meio. A obra, que nasceu a partir de relatos dessa visita, aborda testemunhos e descrições sobre os aspectos sociais e econômicos daquele país, como o setor industrial, a agricultura, a coletivização, o comércio, a família, o papel da mulher, a religião, a educação, a cultura, as relações sociais, as instituições e outras características singulares daquela experiência histórica pouco conhecida dos leitores brasileiros à época.
Já O mundo do socialismo nasceu da viagem de Prado Júnior entre julho e setembro de 1960 à China e novamente à URSS. Com 53 anos, Caio conservava sua visão entusiasta às experiências socialistas, posição que manteve até sua morte. Na URSS, o historiador visitou colcozes, creches, estádio de futebol e escolas. De lá, ele e a esposa seguiram para a China, onde conheceram Pequim, Wuhan, Xangai e outras cidades no sul. Sempre acompanhado de um guia local, visitaram fábricas, monumentos, comunas, teatro e um templo budista.
“Caio Prado Júnior assistiu aos primórdios da planificação econômica soviética. Depois da guerra, voltou e observou um país reconstruído, cujos dirigentes previam a instauração do comunismo em vinte anos. O autor não viu seu colapso. Entre o auge do stalinismo e a desestalinização, não questionou o modelo socialista – mas nem por isso perdeu de vista a particularidade concreta da realidade brasileira. Este livro nos oferece dois preciosos documentos da trajetória do nosso maior historiador marxista.”
– Lincoln Secco
“O sentimento anti-imperialista de intelectuais radicais latino-americanos e seu desejo de levar a cabo mudanças profundas na vida social e econômica do país, transformações rápidas e revolucionárias, bem como a percepção de uma “América nossa” e a complexidade de seus problemas comuns, serviram de base para vários revolucionários de origem burguesa e intelectuais independentes verem a revolução bolchevique na Rússia e o Comintern como impulsionadores das ideias de justiça social em escala mundial. Tais pensadores e ativistas encontraram no comunismo uma arma eficiente para atingir seus objetivos. Nas décadas de 1920 e 1930, o comunismo e a esquerda receberam apoio significativo de várias figuras-chave da história latino-americana. Caio Prado Júnior foi um desses personagens. E esta edição mostra a visão desse importante historiador brasileiro sobre a União Soviética e sua opinião, ao longo dos anos, a respeito daquela experiência histórica.”
– Lazar Jeifets e Victor Jeifets
URSS, um novo mundo e O mundo do socialismo, de Caio Prado Júnior, tem apresentação de Luiz Bernardo Pericás, texto de orelha de Angelo Segrillo e capa de Maikon Nery.
Confira o lançamento antecipado de URSS, um novo mundo e O mundo do socialismo, de Caio Prado Júnior, com debate entre Fernando Garcia e Luiz Bernardo Pericás, mediação de Cecília Brancher, na TV Boitempo.
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Angelo Segrillo é professor doutor de história contemporânea no Departamento de História da Universidade de São Paulo.
foi um entusiasta da modernização capitalista retardatária da URSS
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