Che Guevara e a coerência revolucionária

Michael Löwy escreve sobre "Che Guevara e a luta revolucionária na Bolívia", de Luiz Bernardo Pericás: "Por trás da aparência mítica, o que realmente ilumina e dá sentido à vida do Che é a total coerência entre teoria e prática, palavra e ação."

Che Guevara em Havana, Cuba, fotografado por René Burri. Arquivo Museu do Eliseu, Lausanne, Suíça.

Por Michael Löwy

Ernesto Guevara de la Serna, o Che, morto em 1967 sob as balas dos militares bolivianos, transformou-se em lenda. Sua imagem, seu rosto, suas ideias percorrem campos e favelas da América do Sul, universidades e manifestações dos Estados Unidos e da Europa.  Estudante de medicina, combatente ao lado de Fidel Castro na Sierra Maestra, presidente do Banco Central cubano, teórico militar, ministro da Indústria, sua vida foi fulgurante e meteórica. O caráter extraordinário dessa vida explica talvez o mito de aventureiro romântico, Robin Hood vermelho, Dom Quixote do comunismo, Saint-Just marxista, Cid Campeador dos condenados da terra e dos guetos, Cristo laico, San Ernesto de La Higuera, venerado pelos camponeses bolivianos, “incendiário vermelho” espalhando por toda parte as brasas da subversão.

Mas o sistema que tenta recuperar o mito não consegue “digerir” o revolucionário. Por trás da aparência mítica, o que realmente ilumina e dá sentido à vida do Che é a total coerência entre teoria e prática, palavra e ação. Só à luz dessa coerência se pode compreender a decisão oposta à noção habitual de estadista, de trocar um cargo ministerial em Cuba pela guerrilha boliviana, visando romper o isolamento da Revolução Cubana e abrir uma segunda frente de luta em favor do Vietnã.  

Che Guevara e a luta revolucionária na Bolívia, de Luiz Bernardo Pericás, sem a preocupação de ser biográfico, dedica-se a explorar os limites dessa coerência, autoimpostos por Che e seus companheiros em seus derradeiros combates na América Latina.  


Che Guevara foi umas das mais importantes personalidades políticas do século XX. Após lutar no Congo, combateu na Bolívia, onde já estivera em sua juventude, em meados de 1953. Em 8 de outubro de 1967, foi capturado por uma unidade dos rangers locais (treinados por instrutores militares norte-americanos) e, no dia 9, assassinado no pequeno povoado de La Higuera.

Che Guevara e a luta revolucionária na Bolívia, do historiador Luiz Bernardo Pericás, é uma investigação profunda e detalhada sobre os aspectos da vida política, econômica e social da Bolívia nos anos 1960 e a guerrilha naquele país. Com ampla bibliografia atualizada e rigor acadêmico, o autor discute a trajetória do Che na luta guerrilheira na Bolívia, a partir de entrevistas com camponeses, políticos e intelectuais bolivianos (incluindo um militar, o general Gary Prado, na época dos acontecimentos ainda capitão e o oficial responsável pela captura do Che), livros e documentos (alguns dos quais, inéditos no Brasil).

A obra também perpassa um contexto mais amplo, como o período em que Guevara esteve no Congo, o tempo que passou na clandestinidade na Tanzânia e Tchecoslováquia, seu retorno a Cuba, seu treinamento na ilha e sua ida à Bolívia. O texto é também rico em detalhes sobre a atuação do Exército de Libertação Nacional (ELN). Conta ainda com capítulos que narram o que aconteceu com os diários do Che após sua execução e a continuidade da luta revolucionária (guerrilha de Teoponte). Nos anexos, o leitor encontrará vasta documentação relacionada ao tema.

Nesta sexta-feira (28/07) às 15h, não perca o debate de lançamento de Che Guevara e a luta revolucionária na Bolívia, com Luiz Bernardo Pericás, Antonio Carlos Mazzeo, Fernando Garcia e mediação de Cecília Brancher, na TV Boitempo:

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Michael Löwy é diretor emérito de pesquisas do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), autor de Estrela da manhã: marxismo e surrealismo (2018) Revolta e melancolia: o romantismo na contracorrente da modernidade, Walter Benjamin: aviso de incêndio (2005), Lucien Goldmann ou a dialética da totalidade (2009), A teoria da revolução no jovem Marx (2012), A jaula de aço: Max Weber e o marxismo weberiano (2014) e O caderno azul de Jenny: a visita de Marx à Comuna de Paris (2021).

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