Padura e Mario Conde em sua melhor forma
Em "Pessoas decentes", encontramos um Conde envelhecido em barris de rum e sabedoria – aos 62 anos, é o memorioso personagem de sempre, com sinapses fumegantes, ironias históricas e o humor ainda mais pessimista.
Foto: JF Martin (Unsplash)
Por Xico Sá
Assim se passaram dez anos da publicação, por esta mesma Boitempo, de O homem que amava os cachorros, um Leonardo Padura que se fez clássico imediato e virou o livro preferido de uma nação de leitores e leitoras brasileiros. Como se fosse uma festa surpresa para marcar a efeméride, nós, fãs do escritor cubano, recebemos o melhor romance protagonizado pelo detetive Mario Conde. Sim, o melhor, repito sem medo de ecoar o palpite. Em Pessoas decentes, encontramos um Conde envelhecido em barris de rum e sabedoria – aos 62 anos, é o memorioso personagem de sempre, com sinapses fumegantes, ironias históricas e o humor ainda mais pessimista.
Afastado das atividades na polícia, o detetive se vira com a venda de livros usados e outras quinquilharias. O crime, no entanto, volta a excitar suas narinas quando um ex-colega de trabalho pede sua ajuda para resolver o mistério do brutal assassinato de certo Quevedo, o Abominável, um antigo e poderoso burocrata da área de cultura do governo que destruiu a vida e a carreira de vários artistas, com censuras e outros castigos de rotina. Uma segunda morte, com os mesmos sinais de crueldade no corpo da vítima, aconteceria na sequência. Fuerza, camarada Mario Conde!
Tudo se passa em 2016, mira o cenário: “Obama vem aí, cavalheiros!”, gritou alguém. “E, com Obama, um monte de estrangeiros com dólares, a moeda do inimigo da qual as pessoas tanto gostam, que resolve tantos problemas. Vamos abrir negócios, vamos dar a volta ao mundo, e talvez até suspendam o bloqueio e, com isso, consigamos sair de uma vez por todas do subdesenvolvimento e até do Terceiro Mundo. Havana está louca, Havana está sonhando.”
Não só a visita de mr. Obama movia a ilha naquele momento. Um show dos Rolling Stones e um desfile da grife Chanel agitavam o ambiente. O frenesi é processado na cabeça de Mario Conde com a devida ironia, alguns refrões de rock’n’roll e caprichado desdém.
No contraponto histórico – um traço especial da obra do autor –, duelam, em 1910, o cubano Alberto Yarini e o francês Lotot pelo monopólio dos negócios da jogatina e da prostituição em Havana. Tudo isso tem o cometa Halley de testemunha, em sua passagem nos céus do Caribe. O passado e o presente se tocam, de maneira surpreendente, como se os tempos verbais fizessem parte de uma epifania detetivesca. Coisas da incomparável escrita do mestre Leonardo Padura. À festa, com muito chá-chá-chá, salsa e rumba.
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O detetive Mario Conde está de volta, e 2016 em Cuba é o pano de fundo para o novo romance do premiado escritor Leonardo Padura. A visita histórica de Barack Obama, um show da banda Rolling Stones e um desfile da marca francesa Chanel foram alguns dos acontecimentos daquele ano e que são transportados para a literatura pelas mãos do consagrado autor de O homem que amava os cachorros.
Manuel Palacios procura Mario Conde, antigo companheiro de farda, quando um importante político da ilha, Reynaldo Quevedo, é assassinado durante a visita do ex-presidente dos Estados Unidos. Quevedo tinha muitos inimigos, pois no passado havia atuado como censor para garantir que artistas do país não se desviassem dos slogans da revolução. Déspota e cruel, acabou com a carreira de quem não queria se curvar a suas extorsões. Quando, alguns dias depois de se reverem, um segundo cadáver é encontrado, Conde precisa descobrir se as duas mortes estão relacionadas e o que está por trás dos assassinatos.
No desenrolar do mistério, o detetive pesquisa e escreve sobre a vida do cafetão Alberto Yarini, personagem inspirado em um caso real do início do século XX, quando Havana era completamente diferente. Um caso de assassinato de duas mulheres revela a luta aberta entre o poderoso Yarini e seu rival Lotot, francês que disputa os espaços de prostituição na capital. O desenvolvimento de tais eventos históricos será conectado ao presente de uma forma que nem mesmo o próprio Mario Conde suspeita.
Conhecido e celebrado por mesclar acontecimentos históricos à literatura, Padura entrelaça magistralmente os enredos, esmiuçando as características mais peculiares dos personagens, de Havana e de Cuba, em uma leitura instigante que prende o leitor do início ao fim.
Pessoas decentes, de Leonardo Padura tem tradução de Monica Stahel, texto de orelha de Xico Sá, capa de Ronaldo Alves e apoio do Ministerio de Cultura y Deporte da Espanha.
“Leonardo Padura alcança o auge em Pessoas decentes, o melhor
romance de Mario Conde.”
— El País
“Com a maestria que o caracteriza, Padura consegue fazer com
que duas histórias, aparentemente sem nada em comum, se entrelacem
em uma narrativa fascinante, repleta de intriga e mistério.
Pessoas decentes é um romance que não deixa a desejar, pois
desde o início prende você em um ritmo vertiginoso de eventos.”
— Los Angeles Times
“Reler Padura, desta vez com Pessoas decentes, é redescobrir um
narrador brilhante, com profundidade histórica e um tratamento dos
personagens que deixa claro, sem dúvida, que estamos diante de
um escritor maduro, com raízes literárias ancoradas em uma tradição
caribenha e universal.”
— El Periódico de España
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Xico Sá é jornalista e escritor.
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