Seis filmes para comemorar o Dia do Cinema Brasileiro (e livros da Boitempo para se aprofundar nos temas)

Cena de Saneamento Básico, o Filme. Imagem: Divulgação
Por Alysson Oliveira
Entre altos e baixos que viveu ao longo de sua história, o cinema brasileiro, desde o Cinema Novo, talvez nunca tenha estado num momento tão proeminente dentro e fora do país como agora. Só neste ano, alcançou quatro premiações de peso: Oscar (estatueta de Melhor Filme Internacional para Ainda estou aqui, de Walter Salles; além da indicação de Fernanda Torres como melhor atriz por seu papel no longa); Festival de Cannes (com O agente secreto premiado em duas categorias — Melhor Direção, para Klebler Mendonça Filho, e Melhor Ator, para Wagner Moura) e Festival de Berlim (O último azul, de Gabriel Mascaro, recebeu o Urso de Prata, segundo prêmio mais importante do evento). Por isso, o Dia do Cinema Brasileiro — comemorado hoje, 19 de junho — merece ainda ser celebrado.
Pensando nisso, o Blog da Boitempo publica uma lista de filmes nacionais disponíveis em plataformas de streaming cuja sessão pode se tornar ainda mais proveitosa na companhia de uma boa leitura. Confira abaixo as indicações de Alysson Oliveira para assistir no feriado e livros da Boitempo que complementam a experiência do audiovisual.
PARA VER: Deslembro (2019), de Flávia Castro
PARA LER: O que resta da ditadura, organizado por Vladimir Safatle e Edson Teles

Imagem: Divulgação.
A ditadura civil-militar é, por razões óbvias, um tema recorrente na filmografia nacional. Nesse sentido, Ainda estou aqui (Globoplay) se tornou um filme incontornável sobre assunto, seja por seu sucesso social e histórico, comercial ou artístico, mas o tema no cinema brasileiro tem outras obras tão relevantes quanto o longa de Walter Salles. Deslembro (Reserva Imovision), de Flávia Castro (produzido por Salles, inclusive), revela um olhar delicado e muito pessoal da diretora, que parte de experiências próprias para contar a história de uma adolescente que volta com sua família de Paris, onde estava exilada, para o Rio de Janeiro, cidade onde seu pai desapareceu no DOPS.
O que resta da ditadura, organizado por Vladimir Safatle e Edson Teles, traz uma série de ensaios sobre como elementos do passado ditatorial do país ainda se materializam no presente, e junto com o longa de Castro permite compreender melhor o país em que vivemos.
PARA VER: Que bom te ver viva (1989), de Lúcia Murat
PARA LER: Ousar lutar: memórias da guerrilha que vivi, depoimento de José Roberto Rezende a Mouzar Benedito

Imagem: Divulgação.
Ainda sobre o mesmo assunto, o clássico Que bom te ver viva (Reserva Imovision), de Lúcia Murat, traz Irene Ravache luminosa dominando a cena como uma mulher que foi presa e torturada durante a ditadura. Combinando documentário e encenação, a diretora — que também foi presa e torturada —, traz histórias de mulheres brasileiras que se levantaram contra o regime ditatorial. O livro Ousar lutar, de José Roberto Rezende, em depoimento a Mouzar Benedito, traz as memórias do militante que fez parte da resistência clandestina ao regime.
PARA VER: Saneamento Básico, o Filme (2007), de Jorge Furtado
PARA LER: Dez lições sobre estudos culturais, de Maria Elisa Cevasco

Imagem: Divulgação.
Outro clássico contemporâneo, este cômico, é Saneamento Básico, o Filme (Globoplay, Netflix), de Jorge Furtado. Com muito bom-humor, o longa faz uma pergunta sincera sobre o Brasil: deve-se investir em cultura num país que não oferece saneamento básico a toda a população? A resposta é sim, as coisas não são excludentes, e a cultura, assim como o filme, é reveladora da sociedade brasileira e suas contradições.
O livro Dez lições sobre estudos culturais, da professora da USP Maria Elisa Cevasco, investiga a disciplina que estuda as relações entre cultura e sociedade. Partido da historicização dos Estudos Culturais, a autora discute, de forma bastante acessível, a importância dessa disciplina no cenário contemporâneo desde seu surgimento na Inglaterra dos anos de 1950. Raymond Williams, uma figura central dos Estudos Culturais, certamente ficaria orgulhoso de Saneamento Básico, o Filme.
PARA VER: O dia que te conheci (2023), de André Novais Oliveira
PARA LER: O tempo e o cão, de Maria Rita Kehl

Imagem: Divulgação.
A saúde mental na contemporaneidade é o tema central do livro O tempo e o cão, da psicanalista Maria Rita Kehl. Abordando a depressão, ela parte do viés psicanalítico para investigar essa condição no campo social, cultural e histórico. O premiado longa O dia que te conheci (Globplay), do mineiro André Novais Oliveira, apresenta um olhar ao mesmo tempo cômico e melancólico sobre seu protagonista (interpretado por Renato Novaes): Zeca é um bibliotecário periférico que sofre de depressão, e acaba demitido por sempre chegar atrasado ao trabalho. Nesse mesmo dia, ele conhece uma mulher (Grace Passô), responsável por informá-lo de sua demissão, mas por quem se apaixona. Um dos pontos altos do filme é quando ele a convida para ir até sua casa ver suas receitas psiquiátricas. E ela topa.
O tempo e o cão, de Maria Rita Kehl
A depressão como um sintoma social contemporâneo. A autora traça a evolução histórica da melancolia e explora a peculiar relação dos depressivos com o tempo. Transcende o campo psicanalítico, abrindo caminho para compreender a influência dos mecanismos sociais na subjetividade humana.
PARA VER: Kasa Branca (2024), de Luciano Vidigal
PARA LER: Cria da favela, de Renata Souza
Imagem: Divulgação.
A vida na periferia da Chatuba está ao centro do excelente Kasa Branca (Telecine), de Luciano Vidigal, ele mesmo ator, roteirista e diretor de teatro e cinema nascido na Favela do Vidigal, participante do Grupo Nós do Morro. O longa é protagonizado pelo youtuber Big Jaum, uma revelação num papel dramático. Ele interpreta Dé, um adolescente que vive com a avó (Teca Pereira), diagnosticada com Alzheimer e com pouco tempo de vida. Ao lado de seus dois melhores amigos, fará de tudo para passar dias inesquecíveis ao lado dela.
O livro Cria da favela, de Renata Souza, parte dos resultados de sua tese de doutorado para investigar a resistência da juventude negra nas favelas cariocas, mostrando, entre outras coisas, as experiências comunitárias e independentes de resistência e comunicação e cultura dos jovens da Favela da Maré, no Rio de Janeiro.

PARA VER: Eduardo Coutinho, 7 de outubro (2013), de Carlos Nader,
PARA LER: As sete faces de Eduardo Coutinho, de Carlos Alberto Mattos

Imagem: Divulgação.
Por fim, nenhuma lista de filmes brasileiros estaria completa sem obras do grande Eduardo Coutinho. Seus documentários, pautados por conversas que revelam dinâmicas socioculturais e históricas do Brasil, são fundamentais para a compreensão de como chegamos até aqui. De Cabra marcado para morrer (CurtaOn) a Últimas Conversas (Netflix), o material do documentarista era o Brasil e seu povo, sobre o qual ele jogou luz em filmes como Santo Forte (Netflix, Globoplay), Babilônia 2000 (Globoplay) ou no amado Jogo de Cena (Netflix, Globoplay). Não há erro, basta escolher um filme dele, e saber que está em boas mãos, e a sessão será uma experiência transformadora.
Para quem deseja se aprofundar ainda mais, o documentário Eduardo Coutinho, 7 de outubro (disponível no Sesc Digital e gratuito para todo o país), de Carlos Nader, é uma longa entrevista bastante reveladora sobre seu trabalho e seus pensamentos. Já o livro Sete faces de Eduardo Coutinho, do crítico e documentarista Carlos Alberto Mattos, combina vida e obra do cineasta, mostrando sua importância no cenário nacional não apenas no âmbito do cinema, mas investiga as particularidades de suas produções e a reverberação de seus filmes.
***
Alysson Oliveira é jornalista e crítico de cinema no site Cineweb, membro da ABRACCINE – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, e escreve sobre livros na revista Carta Capital. Tem Mestrado e Doutorado em Letras, pela FFLCH-USP, nos quais estudou Cormac McCarthy e Ursula K. LeGuin, respectivamente. Realiza pesquisa de pós-doutorado, na mesma instituição, sobre a relação entre a literatura contemporânea dos EUA e o neoliberalismo, em autores como Don DeLillo, Rachel Kushner e Ben Lerner.
Deixe um comentário