A pior política é atacar cidades. Sitie uma cidade apenas como último recurso.” Esta advertência, registrada há mais de 2.500 anos no clássico A arte da guerra do filósofo chinês Sun Tzu, descreve a tendência dominante que pensamento e as práticas militares estão desenvolvendo hoje. Pela primeira vez em seus 150 mil anos de história, a humanidade se torna no início deste século uma espécie predominantemente urbana. Neste contexto, as principais cabeças das forças militares e securitárias do mundo hoje passaram a conceber nossas cidades como verdadeiras zonas de conflito, permanentemente espreitadas por ameaças ocultas.
Cidades sitiadas é uma enciclopédia do presente e do futuro da guerra no século XXI. Ele revela a quantidade assombrosa de estruturas militares e corporativas ocultas por trás da vida cotidiana nas nossas grandes cidades. Articulando um farto material de pesquisas originais, o geógrafo urbano Stephen Graham da Universidade de Newcastle apresenta uma ambiciosa teoria do “novo urbanismo militar” à altura da mudança paradigmática em curso. Atualizando o conceito foucaultiano de “efeito bumerangue”, ele analisa o processo através do qual as cidades do ocidente estão implementando em suas fronteiras sociais internas, experiências e tecnologias militares de controle importadas diretamente de territórios ocupados no exterior, como a faixa de Gaza e o Haiti.
A nova doutrina de segurança que ora emerge ofusca dramaticamente as antigas separações entre guerra e paz, normalidade e exceção. Com a crescente militarização da polícia e a crescente “policialização” das forças militares, os exércitos de hoje se vertem em forças altamente inteligentes de “contrainsurgência”, e os cidadãos comuns se tornam, em massa, alvos que precisam ser continuamente rastreados e controlados. A totalidade da paisagem, da infraestrutura e dos espaços mais banais da vida cotidiana nas cidades precisam ser colonizados por sistemas militarizados de rastreamento, triagem e controle. No novo urbanismo militar, “a guerra está sendo urbanizada”. Mais do que ser o novo lugar da guerra, o espaço urbano se tornou ele próprio instrumento ativo nesta guerra.
Graham não hesita em apontar no sequestro da prática e do planejamento urbano por ideias militarizadas de “segurança” a corrosão da esfera pública. Se já nos acostumamos com o léxico da “guerra às drogas” e da “pacificação” é porque cada vez mais é a linguagem da guerra que permeia a política metropolitana. Neste cenário alarmante, deslocamentos migracionais passam a ser concebidos como verdadeiros atos bélicos, manifestantes são passíveis de serem enquadrados como terroristas, o medo de elementos anti-sociais é constantemente mobilizado por autoridades para pacificar protestos e novos mecanismos jurídicos são mobilizados para suspender a lei civil. Quando a gestão da polis passa a ser pensada em termos militares, não há mais lugar para a democracia.
A pedra de toque da teoria de Graham é sua análise da economia política do novo urbanismo militar. E aqui, as cifras são completamente alucinantes: em meio a um cenário de crise econômica global, as indústrias de tecnologia e inteligência militar vêm despontando em taxas de crescimento que variam de 5 a 12% ao ano. Em um mundo crescentemente marcado por desigualdades sociais abissais, a implementação de novas tecnologias militares passa a ser comprada e vendida como solução mágica para “resolver” nossos problemas sociais.
Entender a dimensão e a natureza do projeto político por trás do novo urbanismo militar, e o fetichismo que lhe é próprio, é o primeiro passo para resistir a ele. Mais do que uma obra de referência para entender a cartografia da guerra e do pensamento urbano no século XXI, Cidades sitiadas é leitura incontornável para desenharmos novas e urgentes formas de resistência.