O colapso do comunismo no leste da Europa tem sido identificado por intelectuais à esquerda e à direita do espectro político como expressão da crise terminal do marxismo, o que justificaria seu gradual abandono como instrumental de análise da sociedade contemporânea. Ellen Meiksins Wood, uma das mais influentes pensadoras marxistas da atualidade, argumenta exatamente na direção oposta: 'Podia-se esperar, entre outras coisas, que um período de capitalismo triunfante devesse oferecer mais espaço, em relação a qualquer outra época, para o principal projeto do marxismo: a crítica do capitalismo'. Ellen Wood reafirma que a crítica do capitalismo é urgentemente necessária e que o materialismo histórico ainda é a melhor base sobre a qual construí-la.
Em seu livro Democracia contra capitalismo, agora lançado no Brasil em tradução de Paulo Cezar Castanheira, a autora reafirma o valor da teoria marxista, desenvolve e refina o seu instrumental crítico. Wood renova o programa crítico do materialismo histórico, redefinindo os seus conceitos fundamentais e sua teoria da história de modo extremamente original, e usando-os para identificar a especificidade do capitalismo como um sistema de relações sociais de poder político, e, portanto, sua historicidade. Explora o conceito de democracia no mundo antigo e na sociedade contemporânea, examinando suas relações conceituais com o capitalismo e levantando questões sobre como a democracia pode e deve ir além dos limites impostos pelo capitalismo. Demonstra que hoje o conceito de democracia foi esvaziado de seu conteúdo social, nada mais tendo a ver com a distribuição de poder social ou econômico entre as classes.
A democracia passou a ser entendida em termos de cidadania passiva, ou na melhor das hipóteses, como os direitos dos indivíduos de assegurar algumas proteções contra o poder de outros. Esse processo de domesticação, ou neutralização da democracia, que a transforma em uma democracia formal, não poderia ter sido possível sem o capitalismo. Assim como o capitalismo criou uma esfera econômica autônoma, também criou uma esfera política separada, a que corresponde um tipo de democracia que não atinge os outros domínios da realidade social.O livro de Wood contrapõe-se ao culto do pós-modernismo e a sua recusa em validar noções como totalidade, sistema, estrutura, processo e a possibilidade de qualquer projeto político coletivo baseado em uma solidariedade mais ampla, como por exemplo, a solidariedade de classe. Demonstra o paradoxo em que tal reflexão incorre ao não reconhecer o capitalismo como um sistema social, ao mesmo tempo em que trata o 'mercado' como se este fosse uma totalidade legitimada por uma lei natural e inevitável.