"O critério adotado para delimitar o repertório considerado shakespeariano leva a lógica editorial à sua mais extrema consequência, preferindo a atribuição a um só autor. (...) Reproduzindo de modo idêntico ‘seus próprios escritos’, o in-fólio oferece ao leitor, sem variações, as obras tais como o ´Autor´ as ´proferiu´ isto é, enunciadas como poemas e emitidas como moedas preciosas. A retórica de Heminge e Condell subtrai o texto shakespeariano das deformações implicadas pelas representações e das corrupções introduzidas pelas edições, que fizeram circular não uma reprodução autêntica dos manuscritos do autor, mas ´cópias clandestinas, textos mutilados e deformados pelas fraudes e furtos de impostores prejudiciais que os expuseram´. Graças aos ´originais´ sem rasuras nem arrependimentos de Shakespeare, o in-fólio é duplamente perfeito: ele restaura em sua pureza original os textos corrompidos pelas edições precedentes (´mesmo aqueles copiados são agora oferecidos perfeitos e curados ao público´) e, pela primeira vez, permite a leitura de todas as peças do autor (´e de todo o resto, em seu Número absoluto, como ele os concebeu´). A partir desse primeiro gesto editorial, é visível a tensão entre a reivindicação de um texto ideal, perfeitamente conforme ao que o autor concebeu e escreveu, e as variações introduzidas pela própria materialidade do impresso. (...)”.