Margens da cultura é um livro de iniciação e de reflexão sobre alguns dos autores fundamentais do pensamento crítico contemporâneo, no debate sobre interações entre literatura, cultura e vida social. Margens, nesse sentido, mais do que delimitações, implicam aberturas e a consideração de diferenças, contrariamente a qualquer forma de pensamento que busque reintroduzir pretensas purezas étnicas ou culturais.
A ênfase com que se debate a mestiçagem e o hibridismo cultural nos dias de hoje vem da necessidade de se dar conta das mudanças provocadas pelo grande processo de deslocamentos e de justaposições que rompem com as concepções fixas, sedentárias, de cultura e identidade.
Sobre aspectos deste tema que dá unidade ao livro, a peruana Ana Pizarro, em “Áreas culturais na modernidade tardia”, a partir do estudo das comunidades da Amazônia, aponta a necessidade de repensar o conceito de cultura, englobando o meio em que vive as comunidades, a defesa da biodiversidade e a preservação dos recursos naturais não renováveis.
As bases linguísticas da heterogeneidade são tratadas por José Luiz Fiorin em “Bakhtin e a concepção dialógica da linguagem”, enquanto Lynn Mario T. Menezes de Souza, em uma análise da teoria crítica de Homi K. Bhabha, demonstra como essa teoria baseia-se na inexistência de identidades, línguas ou linguagens “puras”.
As relações entre raça, colonialismo, classes sociais e cultura na América Latina é estudada por José Luiz Cabaço e Rita Chaves, no ensaio “Frantz Fanon: colonização, violência e identidade cultural”. O trabalho acadêmico no Brasil como mero “importador” de modas vindas do exterior é criticado no provocador ensaio “O Conceito de Transculturação na obra de Ángel Rama” de Flávio Wolf de Aguiar e Sandra Guardini T. Vasconcelos.
Maria Elisa Cevasco compara as trajetórias e idéias dos críticos literários Antonio Candido e Raymond Williams. “O elogio da crioulidade; o conceito de hibridação a partir dos autores francófonos do Caribe”, de Zilá Bernd, usa para discutir o conceito de híbrido, e as relações raciais nas Américas, as obras literárias Tenda dos Milagres de Jorge Amado, e Solibo Magnifique, do escritor cariibenho Patrick Chamoiseau.
Fechando o livro, ensaio de Marli Fantini aproveita a análise do romance Relato de um certo Oriente, de Milton Hatoum, para pensar as convivências simultâneas de cultura e identidade. A ideia de mescla, conforme apontam os nove estudos reunidos neste livro, favorece o entendimento entre pessoas e povos desde que não se reduza a um pastiche sem história. O que os textos deste volume defendem, com originalidade e erudição, são margens de culturas, fluidas e intercambiáveis, coexistentes em suas diferenças.