12. Efeitos negativos do golpe de 64 nos direitos trabalhistas
OS 50 (E TANTOS) ANOS DO(S) GOLPE(S) CONTRA A CLASSE TRABALHADORA
POR JORGE LUIZ SOUTO MAIOR
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Especial de Jorge Luiz Souto Maior, para o Blog da Boitempo.
Confira o sumário completo aqui.
Os militares trataram, rapidamente, de reprimir as oposições (políticos, estudantes, intelectuais, líderes sindicais e padres progressistas) e governam mediante Atos Institucionais, que modificavam a própria Constituição. Como esclarecem Jobson e Piletti, “na prática os atos institucionais acabaram com o Estado de direito e as instituições democráticas do país”[1].
De cara, o governo tomou as seguintes medidas:
- revogação da nacionalização das refinarias de petróleo;
- revogação da desapropriação de terras;
- cassação e suspensão de direitos políticos de 378 pessoas, entre elas: Juscelino, Jânio e Jango; seis governadores; 55 membros do Congresso Nacional;
- demissão de 40 mil funcionários públicos;
- instauração de 5 mil inquéritos contra 40 mil pessoas;
- rompimento de relações diplomáticas com Cuba.[2]
A UNE e as Ligas Camponesas foram postas na ilegalidade. Líderes sindicais foram presos. Quatrocentos sindicatos sofreram intervenções.
Sob o prisma econômico, a idéia era “recuperar a credibilidade do país junto ao capital estrangeiro. Para isso, adotaram medidas como a contenção dos salários e dos direitos trabalhistas”[3].
O plano econômico, elaborado por Roberto Campos, consistia em: “corte severo nos gastos públicos; aumento de impostos; arrocho salarial; restrição do crédito às empresas; incentivo às exportações; abertura aos investimentos estrangeiros; retomada do crescimento econômico”[4], buscando conter a inflação e obter o aval do FMI, para conseguir empréstimos estrangeiros, especialmente dos EUA.
Esta política econômica, aliada ao aumento das tarifas públicas, resultou e sempre resultará em recessão, que “foi suportada por uma população proibida de protestar”[5]. Além disso, empresas americanas passaram a investir no Brasil. A concorrência dessas empresas e a recessão (que reduziu o mercado interno) causaram a falência de muitas empresas nacionais, com aumento do desemprego.
O ponto central do governo militar era conter o comunismo e da forma como essa questão foi tratada no Brasil, a estratégia seria, como visto, impor derrotas e sofrimento aos trabalhadores.
Assim, ainda que um dos primeiros atos do governo militar tenha sido a seguinte declaração:
O Comando Supremo da Revolução (SIC), tendo tomado conhecimento de que indivíduos ligados ao peleguismo e que infestam os meios sindicais estão desenvolvendo campanhas e boatos para provocar inquietações nos meios operários, vem uma vez por todas esclarecer os seguintes pontos: 1 – A Revolução vitoriosa levada a cabo pelas Fôrças Armadas, com apoio do povo, considera irreversíveis as conquistas sociais legítimas contidas na legislação trabalhista em vigor; 2 – Os trabalhadores continuarão em pleno gozo de seus direitos, agora mais do que antes, porque estão livres da influência político-partidária; 3 – A Justiça do Trabalho permanece em pleno funcionamento em sua missão de defesa dos justos interesses e de harmonizar as divergências entre empregados e empregadores; 4 – O Comando Supremo da Revolução está certo de que os trabalhadores brasileiros saberão não dar ouvidos a estes boatos, desprezando os elementos perturbadores, saberão cumprir seus deveres e obrigações, inseparáveis que são dos direitos constantes da legislação trabalhista brasileira.[6] – grifou-se.
Em concreto, o que se viu em praticamente todo o período de 21 anos da ditadura foi uma diminuição de direitos trabalhistas, acompanhada de violenta repressão aos sindicatos, favorecendo ao processo de acumulação de riquezas, sobretudo na perspectiva dos interesses de empresas multinacionais.
A intenção dos militares de rever a legislação trabalhista e de conter o movimento operário sindical é facilmente verificável pela adoção, logo dois meses da efetivação do golpe, da Lei n. 4.330, de 1º. de junho de 1964, que veio para limitar o direito de greve ao ponto de torná-la quase impossível de ser realizada, além de proibir expressamente a greve do funcionário público.
Do ponto de vista das alterações promovidas fora do âmbito da CLT, na época da ditadura militar, destaca-se a Lei n. 4.749, de 13 de agosto de 1965, que atendeu o reclamo de redução de direitos trabalhistas, fixando um parcelamento para o pagamento do 13º. salário, que fora criado em 1962, durante o governo de João Goulart. O Decreto n. 57.155, de 03 de novembro do mesmo ano, estabeleceu a fórmula válida até hoje: 1a. metade entre fevereiro e novembro e a 2a. metade até o dia 20 de dezembro.
Em 23 de dezembro de 1965, foi publicada a Lei n. 4.923, pela qual, a pretexto de estabelecer medidas contra o desemprego, trouxe novas fórmulas para redução de direitos trabalhistas, atingindo, diretamente, os salários, possibilitando a sua redução mesmo sem autorização dos trabalhadores ou de seus sindicatos.
É interessante perceber que mesmo dentro desse contexto político autoritário, cujo objetivo era reduzir direitos trabalhistas, alguns limites foram preservados, os quais, hoje, dentro de uma lógica democrática ainda assombrada pela onda neoliberal, não se quer reconhecer, tentando-se fazer acreditar que a redução de salário possa ser fixada por ajuste coletivo de trabalho, sem qualquer condicionamento jurídico.
Fato é que a Lei n. 4.923/65 fixou condições e limites para a redução do salário: redução máxima de 25%, respeitado o valor do salário mínimo; necessidade econômica devidamente comprovada; período determinado; diminuição correspondente da jornada de trabalho ou dos dias trabalhados; redução, na mesma proporção, dos ganhos de gerentes e diretores; autorização por assembléia geral da qual participem também os empregados não sindicalizados.
Os militares, embora tenham feito declaração acima mencionada, acabaram por praticamente reescrever a CLT. Para se ter uma ideia, considerando apenas os preceitos pertinentes aos direitos materiais (625 artigos), seguindo a linha da presente investigação, os militares, até final de 1968, alteraram, revogaram ou revitalizaram os textos de 235 artigos da CLT, sem falar nas incursões por meio de legislação específica.
No ano de 1966, modificações mais contundes são impostas à CLT – e à legislação trabalhista em geral – começam a ser efetivadas pelo governo militar. Destacam-se as alterações introduzidas, pelo Decreto-Lei n. 3 de 27/01/66, nos artigos 472, §§ 3º. a 5º.; 482, parágrafo único, e 582, in verbis:
Art. 472…
§ 3º. Ocorrendo motivo relevante de interêsse para a segurança nacional, poderá a autoridade competente solicitar o afastamento do empregado do serviço ou do local de trabalho, sem que se configure a suspensão do contrato de trabalho.
§ 4º O afastamento a que se refere o parágrafo anterior será solicitado pela autoridade competente diretamente ao empregador, em representação fundamentada, com audiência da Procuradora Regional do Trabalho, que providenciará desde logo a instalação do competente inquérito administrativo.
§ 5º Durante os primeiros 90 (noventa) dias dêsse afastamento, o empregado continuará percebendo sua remuneração.
Art. 482…
Parágrafo único – Constitui igualmente justa causa para dispensa de empregado, a prática, devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios à segurança nacional.
Art. 528. Ocorrendo dissídio ou circunstâncias que perturbem o funcionamento de entidade sindical ou motivos relevantes de segurança nacional, o Ministro do Trabalho e Previdência Social poderá nela intervir, por intermédio de Delegado ou de Junta Interventora, com atribuições para administrá-la e executar ou propor as medidas necessárias para normalizar-lhe o funcionamento.
Chama a atenção o fato de que ao introduzir a hipótese de afastamento do empregado por motivo de segurança nacional na CLT, o Decreto 3, em seu artigo 11, define o que seria atentatório à segurança nacional:
Art. 11. Será considerado atentatório à segurança nacional, afora outros casos definidos em lei:
a) Instigar, preparar, dirigir ou ajudar a paralisação de serviços públicos concedidos ou não ou de abastecimento;
b) Instigar, públicamente ou não, desobediência coletiva ao cumprimento de lei de ordem pública.
Criou-se, em 1966, a Fundacentro, órgão responsável pela elaboração de estudos sobre o ambiente de trabalho, tendo como preocupação básica a diminuição dos altos índices de acidentes e doenças do trabalho.
Notabiliza-se nesta atuação dos militares sobre a CLT, a revogação, pelo Decreto-Lei n. 229, de 28/02/67, do art. 530, tal qual estava vigente desde a última alteração proposta por Vargas, em 1952, fixando-se, então, dentre outras, a proibição de que fossem eleitos para cargos administrativos ou de representação econômica ou profissional, “os que tiverem sido condenados por crime doloso enquanto persistirem os efeitos da pena”; “os que não estiverem no gôzo de seus direitos políticos” e “os que, pública e ostensivamente, por atos ou palavras, defendam os princípios ideológicos de partido político cujo registro tenha sido cassado, ou de associação ou entidade de qualquer natureza cujas atividades tenham sido consideradas contrárias ao interêsse nacional e cujo registro haja sido cancelado ou que tenha tido seu funcionamento suspenso por autoridade competente”.
Sobre o acidente do trabalho especificamente, cuja menção serve para demonstrar a verdadeira posição da ditadura militar perante a questão trabalhista, auxiliando na própria compreensão do Decreto n. 229, adverte Laurita Andrade Sant’anna dos Santos:
A Lei estabelece a transferência do seguro-acidente de trabalho para a Previdência Social. Cohn et Alli (1985) chamam a atenção para o fato que, a partir da Lei n. 5.316/67, a palavra “indenização” é substituída pela categoria “prestação”, sendo que o empregador fica isento de responsabilidade quanto ao acidente de trabalho, cabendo ao acidentado o ônus pela lesão física e, ao Estado, o dever de ampará-lo temporária ou definitivamente. Esse enfoque se mantém na legislação que se segue, Decretos-lei n. 898 de 1969 e n. 73.037 de 1976. Segundo Lacaz e Ribeiro (1984) esses Decretos desencadeiam um franco retrocesso na legislação acidentária…[7]
Em março de 1969, o Decreto-lei n. 507, incluiu no art. 530, o inciso VII, impossibilitando de serem eleitos para cargo diretivo de sindicato os que tivessem “má conduta, devidamente comprovada”.
A Lei n. 6.200, de 16 de abril, alterou o artigo 514, mas de modo a reforçar a lógica de intervenção do Estado na atividade sindical e de lhe atribuir uma função puramente assistencial. Acresceu-se ao referido artigo, que tratava dos “deveres” do sindicato, a letra “d”, com o seguinte teor: “d) sempre que possível, e de acordo com as suas possibilidades, manter no seu quadro de pessoal, em convênio com entidades assistenciais ou por conta própria, um assistente social com as atribuições específicas de promover a cooperação operacional na empresa e a integração profissional na Classe.”
No período da ditadura militar a CLT, no aspecto dos direitos materiais trabalhistas, foi, praticamente, toda reescrita, chegando-se à promoção de alterações quase que diariamente, como se houvesse mesmo uma ideia fixa do governo sobre a matéria. E o relato feito sequer demonstra, com toda a sua amplitude, a ação dos militares com relação aos direitos trabalhistas.
Para se ter uma ideia, em 1965, foi publicado o Decreto nº 55.841, de 15 de março, tratando de inspeção da legislação trabalho, mas o seu advento foi fruto de um descuido, rapidamente, corrigido.
Ocorre que à época era Ministro do Trabalho o advogado Arnaldo Lopes Süssekind, intrinsecamente ligado à questão trabalhista, tendo sido, inclusive um dos elaboradores da CLT. Süssekind foi nomeado Ministro do Trabalho por Ranielli Mazzilli, também advogado formado na Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, mesmo Estado em que se formaram Süssekind e Segadas Vianna, sendo que este último também fez parte da comissão de elaboração da CLT e também foi nomeado Ministro do Trabalho por Ranielli, em outro curto período em que assumiu a Presidência da República, em agosto de 1961.
O que se está dizendo é que a perspectiva de Süssekind não era a mesma dos militares, tanto que logo depois da instituição da RIT, Regulamentação da Inspeção do Trabalho, em dezembro de 1965, Süssekind foi destituído do cargo, sendo substituído por Walter Peracchi Barcelos, militar e deputado federal, que, em 1964, participou das articulações que culminaram no golpe.
A publicação do Regulamento, que previa a instituição de uma comissão sindical para colaboração na fiscalização do cumprimento da legislação trabalhista (art. 23) e preconizava, expressamente, que “O Agente da Inspeção do Trabalho, munido de credencial a que se refere o artigo anterior, tem o direito de ingressar, livremente, sem aviso prévio e em qualquer hora, em todos os locais de trabalho sujeitos à sua fiscalização, na ocorrência da prestação de serviços regulados pela legislação do trabalho” (art. 14), não se integrava de forma precisa à própria razão de ser do golpe de 1964. Em concreto, o que se passou foi que a Inspeção não atuou, sendo definitivamente fulminada com a denúncia da Convenção n. 81, da OIT, feita pelo governo militar em 05 de abril de 1971, sob o argumentando de que haveria dois problemas com a sua aplicação: o art. 6º, referente ao estatuto do pessoal e o § 2º, do art. 11, referente ao reembolso dos gastos efetuados com os inspetores.
A Convenção n. 81 da OIT somente voltaria a ter vigência no Brasil a partir de 11 de dezembro de 1987, por intermédio do Decreto n. 95.461.
Na época da ditadura militar, seguindo os propósitos ideológicos da sua instauração, o que se viu, bem ao contrário, foi arrocho salarial e contenção da atividade sindical, mantendo-se a lógica da ineficácia da legislação trabalhista, sendo que, segundo Renato Bignami, “Durante esse período de denúncia da convenção, os inspetores do trabalho tiveram suas funções totalmente desvirtuadas, contrariando frontalmente alguns dos dispositivos nela contidos. Há relatos de inspetores que teriam sido utilizados pelo aparelho de informação do regime de exceção para colher informações sobre trabalhadores e sindicalistas, sempre em nome da doutrina da segurança nacional. Outros inspetores tiveram funções de interventores ad hoc nos sindicatos, cancelando eleições e presidindo por certo período as entidades de classe e, no mais, contrariando, também, as Convenções nº 87 e 98, da OIT.”[8]
Em 1966, a Lei n. 5.107/66, que teve vigência a partir de fevereiro de 1967, criou o FGTS e, em concreto, eliminou a estabilidade decenal, valendo lembrar que as montadoras de automóvel, atraídas para o Brasil no governo de Juscelino, estavam prestes a completar 10 (dez) anos no cenário produtivo nacional.
Destacam-se, ainda, no período em questão, os seguintes preceitos normativos, que representaram grandes perdas aos trabalhadores: Lei n. 6.019, de 3 de janeiro de 1974 (cria o trabalho temporário); Lei n. 6.494, de 7 de dezembro de 1977 (estágio); Lei n. 7.102, de 20 de junho de 1983 (vigilante).
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Próximo:
11. A PRIMEIRA REAÇÃO MILITAR: ORIGEM DO GOLPE DE 64
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9. JOÃO GOULART ENTRA EM CENA
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NOTAS
[1]. Ob. cit., p. 431.
[2]. Jobson e Piletti, ob. cit., p. 431.
[3]. Jobson e Piletti, ob. cit., p. 431.
[4]. Jobson e Piletti, ob. cit., p. 432.
[5]. Jobson e Piletti, ob. cit., p. 432.
[6]. Apud Cesarino Jr, Direito Social, 1970, p. 88.
[7]. SANTOS, Laurita Andrade Sant’ansa dos. O trabalhador imprevidente: estudo do discurso da Fundacentro sobre o acidente de trabalho. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1991, p. 44.
[8]. A inspeção do trabalho no Brasil: as mesas de entendimento como instrumento de transformação das relações de trabalho e efetivação da ordem jurídica trabalhista: Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da USP, 2003, p. 26.
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