70 anos do assassinato de Trotski – trecho de A revolução de outubro

Trótski e André Breton no México, 1938
Foto: WikiCommons

No dia 20 de agosto de 1940, era assassinado Leon Tróski no México. Morto a golpes de picareta pelo agente Ramón Mercader, enviado por Stálin, Trótski foi um dos protagonistas da Revolução Russa de 1917. Presidente do Soviete de Petrogrado, em1917 foi comissário do povo para Negócios Estrangeiros após a vitória da revolução, além de principal organizador e dirigente do Exército Vermelho na guerra civil. Trótski já se notabilizara na Revolução de 1905, quando dirigiu oSoviete de São Petersburgo e na luta pelos rumos do partido e da União Soviética acabou expulso do partido, em 1927, e da União Soviética, em 1929.

Escrito como esboço aos três volumes que posteriormente comporiam a obra História da Revolução Russa, A Revolução de outubro teve edição da Boitempo lançada em 2007, na qual há ainda uma cronologia sobre a Revolução Russa e a constituição da república soviética, além de um artigo inédito de John Reed, “Os sovietes em ação”, publicado originalmente em 1918 no The Liberator. Confira abaixo um trecho da obra:

* * *

“Sendo marxistas, nunca idolatramos a democracia formal. Em uma sociedade dividida em classes, as instituições democráticas, longe de anular a luta de uma classe contra outra, não fazem mais do que dar aos interesses de classe uma forma absolutamente insuficiente de expressão. Sob esse regime, as classes proprietárias têm ainda à sua disposição inúmeros meios de adulterar, perturbar e violentar a vontade das massas populares e operárias.

E as instituições da democracia são ainda mais imperfeitas para expressar a luta de classes quando se vive em tempos de revolução.Karl Marx deu à revolução o nome de “locomotiva da história”.Graças à luta franca e direta pelo poder governamental, as massas operárias acumulam em tempo mínimo um máximo de experiência política e avançam rapidamente pela via do seu desenvolvimento. O pesado mecanismo das instituições democráticas é tanto menos adequado a esse desenvolvimento quanto maior o país e mais imperfeito o seu aparelho técnico.

Na Assembléia Constituinte, a maioria pertencia aos socialistas revolucionários de direita. De acordo com a mecânica parlamentar, o poder governamental deveria pertencer a eles. Mas já durante o período que antecedeu a Revolução de Outubro, o partido dos socialistas revolucionários de direita teve condições de tomar esse poder.

Mas esse partido não tomou o governo, deixando a parte do leão à grande burguesia e, precisamente por isso, no momento mesmo em que a composição numérica da Constituinte o obrigava formalmente a exercer o poder, ele havia perdido o último vestígio de crédito diante dos grupos mais revolucionários do país. A classe operária, e com ela a Guarda Vermelha, era profundamente hostil aos socialistas revolucionários de direita. A esmagadora maioria do Exército apoiava os bolcheviques. Os gruposrevolucionários no campo dividiam suas simpatias entre os socialistas revolucionários de esquerda e os bolcheviques.

Os marinheiros, que durante os acontecimentos da revolução desempenharam um papel tão importante, seguiam quase todos o nosso partido. Os socialistas revolucionários de direita foram obrigados a sair dos sovietes, que desde outubro, ou seja, antes da convocação da Constituinte, haviam tomado o poder.

Sobre quem, portanto, deveria se apoiar um ministério edificado pela maioria da Assembléia Constituinte? Ele poderia contar com os dirigentes da população rural, os intelectuais e os burocratas estatais; e à direita, ele teria, provisoriamente, o apoio da burguesia. Mas comum governo assim, o aparelho governamental teria sido completamente inútil. Nos pontos de concentração da vida política, como Petrogrado, esse governo depararia, desde o primeiro passo, com obstáculos insuperáveis. Nessas condições, se os sovietes – de acordo com a lógica formal das instituições democráticas – deixassem o governo nas mãos do partido de Kerenski e Tchernov, esse governo, comprometido e impotente como era, não teria feito mais que trazer para a vida política do país uma anarquia passageira, para em seguida, ao cabo de algumas semanas, ser derrubado por uma nova revolução. Os sovietes decidiram reduzir ao mínimo essa experiência histórica ultrapassada e decretaram a dissolução da Assembléia Constituinte no mesmo dia em que esta se reuniu.

Isso desencadeou contra o nosso partido as acusações mais violentas. A dissolução da Assembléia Constituinte deu, até mesmo aos meios dirigentes dos partidos socialistas da Europa ocidental, uma impressão desfavorável. Viu-se nesse ato, inevitável e necessário de acordo com a sabedoria política, a arbitrariedade de um partido e uma espécie de tirania. Numa série de estudos, Kautsky1, coma empáfia que o caracteriza, expôs a correlação existente entre a tarefa socialista revolucionária do proletariado e o regime da democracia política. Mostrou que, para a classe operária, a manutenção das bases de uma organização democrática é, em última análise, sempre útil.

É preciso reconhecer que, no geral, isso é perfeitamente exato.Mas Kautsky reduziu essa verdade histórica a uma banalidade professoral. Se, em última análise, é vantajoso para o proletariado praticar a luta de classes, e até a ditadura, dentro do quadro das instituições democráticas, isso não quer dizer que a história torne sempre possível para o proletariado uma combinação semelhante. Não se pode deduzir da teoria marxista que a história realiza sempre as condições “mais favoráveis” ao proletariado.

Hoje é difícil dizer qual teria sido o curso da revolução se a Assembléia Constituinte tivesse sido convocada no segundo ou terceiro mês depois dela. É muito possível que os partidos então dominantes, ou seja, os socialistas revolucionários e os mencheviques, tivessem se comprometido, a si próprios e à Constituinte: isso aos olhos tanto dos grupos mais ativos que apoiavam os sovietes quanto das massas democráticas mais atrasadas, que teriama impressão de que suas esperanças estavam mais na Constituinte do que nos sovietes. Nessas circunstâncias, a dissolução da Constituinte poderia ter conduzido a novas eleições, nas quais o partido da ala esquerda poderia ter conquistado a maioria.

Mas os acontecimentos tomaram outro rumo. As eleições para a Assembléia Constituinte ocorreram no nono mês da revolução, quando a luta de classes havia assumido um caráter tão agudo que, por um impulso vindo do interior, ela derrubou os quadros formais da democracia.

O proletariado tinha o apoio do Exército e das camadas rurais mais pobres. Essas classes se encontravam num estado de luta direta e implacável contra os socialistas revolucionários de direita. Mas, em razão da mecânica grosseira das eleições democráticas, foi esse partido que – imagem fiel do período da revolução anterior aos acontecimentos de outubro – obteve a maioria na Constituinte2. Assim se produziu uma contradição que era absolutamente impossível de solucionar mantendo-se o quadro de democracia formal. E somente os políticos pedantes, que não têm a mais pálida idéia da lógica revolucionária dos antagonismos de classe, podem apresentar ao proletariado representações banais das vantagens e da utilidade da democracia para a causa da luta de classes.

Essa questão foi proposta pela história de uma maneira muito mais concreta e aguda. A Assembléia Constituinte, dada a composição da sua maioria, foi obrigada, portanto, a entregar o poder ao grupo de um Tchernov, de um Kerenski e de um Tseretelli. Mas esse grupo estaria em condições de dirigir a revolução? Ele conseguiria encontrar apoio na classe que é a espinha dorsal da revolução? Não. A classe que constituía o verdadeiro cerne da revolução entrou imediatamente em choque com a sua casca democrática, e isso selou o destino da Constituinte.

Sua dissolução foi o único desfecho possível: a solução cirúrgica, o único meio de sair de uma situação contraditória, que não tinha sido criada por nós, mas por toda uma série de acontecimentos anteriores.”

2 comentários em 70 anos do assassinato de Trotski – trecho de A revolução de outubro

  1. revolução socialista internacional

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