A eleição de Yamandú Orsi é um sopro de esperança para a América Latina

Foto: BiblioJu (WikiCommons).

Por Lana de Holanda

Talvez o pessimismo tenha se tornado um lugar comum na maioria das análises políticas dos últimos anos. E talvez isso tenha razão de ser, já que vivemos uma época de profundas incertezas e grandes retrocessos, seja na promoção dos direitos humanos, na garantia de mínima estabilidade entre países inimigos e nas questões climáticas. Estamos num interregno, onde monstros estão soltos, nos atormentando e ameaçando nosso futuro. 

Porém, a História não é feita de caminhos únicos e de uniformidade. A História é construída com sustos e sobressaltos, com avanços e também retornos. E a América Latina é esse lugar, onde o lusco-fusco da História e da Política são tão bem representados, com altos e baixos que se alternam numa frequência que testa qualquer capacidade cardíaca. 

A eleição de Yamandú Orsi para a presidência do Uruguai, no último domingo, é um alimento de esperança, praticamente um ano após a escassez de alegria causada pela eleição de Javier Milei na Argentina. E, entre os dois, também tivemos Claudia Sheinbaum, eleita presidenta do México. Sheinbaum merece, futuramente, uma análise própria, pois o início de sua gestão já tem dado ótimos direcionamentos para a esquerda latino-americana.

Foto: Ivif28 (WikiCommons).

O uruguaio Orsi é um professor de História, vejam só. Nos últimos dias fiquei pensando na pouca probabilidade de alguém com essa formação ser eleito para o maior cargo executivo do Brasil. Aqui, certamente e infelizmente, choveriam fake news sobre “doutrinação” e “ideologia de gênero”. E essa improbabilidade de um historiador ser Presidente do Brasil, e também a tranquilidade com que isso ocorreu no Uruguai, deixam minhas elaborações com um sabor agridoce. O Uruguai, mais uma vez, aponta como um farol de luz progressista no meio das trevas conservadoras da nossa região.

Em 2012, o Uruguai se tornou o primeiro país da América do Sul a legalizar o direito ao aborto. Nesta semana, em Brasília, deputados bolsonaristas aprovaram na Comissão de Constituição e Justiça um parecer favorável à PEC 164, que acaba com a possibilidade de interrupção legal da gravidez, mesmo em casos de estupro e de risco para a pessoa gestante. É impossível não traçar paralelos entre a situação dos dois países, principalmente quando lembramos que a PEC 164 foi protocolada em 2012, pelo golpista Eduardo Cunha. Enquanto o paisito avançava, nós retrocedíamos.

A História é feita de ganhos e perdas. E é inegável que o Brasil tem perdido muito, há muito tempo. E são evidentes os ganhos do Uruguai.

Nosso pequeno vizinho passou por 5 anos de um governo de direita, conservador em alguns aspectos, liberal em outros, mas não fascista. A sensação de “normalidade democrática” (dentro de uma visão liberal) foi mantida por lá. O governo de Lacalle Pou chega ao fim com 50% de aprovação, segundo pesquisa do Instituto Equipos. E Orsi se elegeu com 49,84% dos votos, contra 45,87% de Álvaro Delgado, candidato governista. Alguns poderiam chamar isso de polarização, mas considero que o termo ideal seja equilíbrio. Logo que a contagem de votos mostrou o favoritismo de Orsi, Delgado assumiu a derrota e felicitou o candidato da Frente Amplio. Um traço de civilidade que foi totalmente perdido pela direita brasileira.

Porém, isso não significa que Orsi terá uma oposição tranquila, pelo contrário. Embora o cenário hoje seja de tranquilidade, é possível que o reacionarismo que tomou conta de tantos países também ganhe alguma força no Uruguai. A radicalização tende a ser o caminho seguido pela direita sempre que percebem que a esquerda tem força suficiente para retornar ao poder por vias democráticas. E foi isso que aconteceu no último domingo. Mesmo considerando o atual governo bom, a população uruguaia entendeu que é a esquerda quem pode lhes oferecer condições de ir além, de proporcionar mudanças que melhorem suas vidas.

Então, é um cuidado importante ir observando os caminhos da futura oposição uruguaia, que pode seguir com a tradição de diálogo, ou cair no mesmo abismo de extremismo seguido por tantas outras direitas da região e do mundo. 

Yamandú Orsi, de toda forma, terá grandes desafios pela frente. Ele e Carolina Cosse, sua vice, deverão manter a economia uruguaia aquecida, mas focando no povo, na redução das desigualdades e no maior acesso da população uruguaia a itens de consumo que, por lá, ainda são muito caros. Outro fator é a segurança pública. Embora seja um país seguro para os padrões da América Latina, o Uruguai tem visto aumentar o tráfico de drogas e os crimes que decorrem dele. Enfrentar essa criminalidade e oferecer segurança, sem cair num sensacionalismo barato (como faz a direita) vai ser uma tarefa difícil, mas necessária para o bom desempenho do governo e para o futuro da esquerda. 

A História está aqui, sendo contada agora, diante dos nossos olhos. Os uruguaios têm decidido, de forma consistente, construir uma História bonita, que não os envergonha, que não os humilha, que não retira a dignidade do seu povo. Eu espero que eles continuem nesse caminho. E mais, além: espero que esse país minúsculo se faça cada vez maior, influenciando e inspirando todas e todos nós. O Uruguai é um país com nome de rio, e essas águas precisam nos alcançar.


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Lana de Holanda é estudante de História, comunicadora, defensora de direitos humanos, feminista e ecossocialista.

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