Cultura inútil | Ser obsceno é ruim?

“O juízo final”, Hans Memling. Imagem: WikiCommons.

Por Mouzar Benedito

Obsceno, segundo os dicionários, é sinônimo de imoral, sujo. Pode ser também perverso, indecente… Ou seja: nada que preste. Mas o que é tudo isso para uns, é diferente para outros. Há coisas que um moralista pode considerar indecente, imoral, obsceno… e para outras pessoas pode ser uma virtude, uma coisa desejável, limpa, sem nenhuma imoralidade.

Tenho pensado muito no Congresso Nacional, ou melhor, nos congressistas, senadores e deputados, além de assessores ideólogos deles. Sim, vejo na gana por dinheiro da maior parte dos parlamentares uma obscenidade, ainda mais que querem usar a grana do Estado como lhes der na cabeça, sem prestar contas, sem controle nenhum. Certo, podem usar bem, mas podem também meter a mão no dinheiro público, distribuir a parentes e amigos ou simplesmente embolsar. E esbravejam quando alguém tenta diminuir o vale-tudo deles (nem é acabar com isso).

Antes de ser presidente, acho que no final dos anos 1990, Lula disse que havia uns 300 picaretas no Congresso. Achei pouco, além do adjetivo picareta ser um tanto suave. Pelos meus cálculos, salvavam-se uns trinta deputados e uns dez senadores que estavam lá para exercer a função devidamente. De lá pra cá… Ah, dá saudade daquele Congresso. Acho que piorou bastante. É triste não ter argumentos para contestar pessoas que acham que devia fechar “aquela porcaria”. Democracia tem que ter Poder Legislativo. Mas o que temos está funcionando devidamente? Não que a “moralidade” tenha sido sempre uma marca da política (incluindo nela o Poder Executivo). Já nos anos 1960, Stanislaw Ponte Preta, propunha: “Ou restaure-se a moralidade ou nos locupletemos todos”.

Na ditadura, a corrupção corria solta, mas quem a denunciava se ferrava. Agora podemos denunciar, mas ninguém liga. Os denunciados até se fazem de vítimas ou perseguidos. E fica tudo por isso mesmo. Isso se o denunciante não for processado como caluniador e acabar preso ou pagando multa. A ditadura e seu vale-tudo para os poderosos não saiu da cabeça de muita gente. Então, minha sensação de que a obscenidade corre solta inclui todos os poderes, incluindo o econômico, talvez o pior deles, porque sustenta toda a rede de obscenidades que eu considero “no mau sentido”, quer dizer, que vão além de questões individuais. E isso se estende, parece, a toda a sociedade. Golpes, violência gratuita, trambiques de todos os tipos e até vítimas aplaudindo quem lhes ferra… 

É em relação a esse comportamento amplo, geral e irrestrito que nos assola que pensei no termo obscenidade e seus sinônimos, mas o termo é usado na maioria das vezes referindo-se a outros comportamentos, com destaque para os sexuais. O erotismo é visto por moralistas como uma indecência, enquanto para muitos é coisa muito prazerosa. Nestes casos, sim, é que eu vejo uma relatividade da coisa. Aí pode ser bom ou ruim, conforme conceitos. E colhi frases variadas por aí… Mas a grande maioria dos frasistas falam de comportamentos pessoais que, concordo, podem ser obscenos para quem tem inveja.

Maya Angelou: “Os políticos devem ser informados de que, se continuarem a afundar-se na lama da obscenidade, prosseguirão sozinhos”.

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Anônimo: “Obsceno é tudo aquilo que provoca ereção num juiz”.

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Bertrand Russell: “Obscenidade é tudo o que acontece para chocar um magistrado idoso e ignorante”.

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Herbert Marcuse: “A obscenidade é um conceito moral no arsenal verbal do establishment, que insulta o termo ao aplica-lo não a respeito da sua própria moralidade, mas de outrem.”

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Herbert Marcuse, de novo: “Obscena não é a foto de uma mulher nua com seus pelos púbicos à mostra, mas a de um general fardado exibindo suas medalhas ganhas numa guerra agressora”.

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Nelson Rodrigues: “Só o rosto é indecente. Do pescoço para baixo, podia-se andar nu”.

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Virginia Woolf: “Quanto mais se envelhece, mais se gosta de indecência”.

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Marquês de Maricá: “A nossa imaginação é mais indecente do que o nosso procedimento”.

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Maricá, de novo: “Um povo corrompido não pode tolerar um governo que não seja corrupto”.

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Augusto Branco: “Pervertida é aquela pessoa que faz tudo aquilo que você gostaria de fazer, mas não tem coragem”.

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Oscar Wilde: “Perversidade é um mito inventado por gente boa para explicar o que os têm de curiosamente atrativo”.

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Clarice Lispector: “O que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesmo”.

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Mário Quintana: “Ah, esses moralistas… Não há nada que empeste mais do que um desinfetante”.

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Montesquieu: “A vantagem do amor sobre a libertinagem é a multiplicação dos prazeres”.

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Mark Twain: “Uma pessoa pode não ter maus hábitos e ter piores”.

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Mark Twain, de novo: “Indecência, vulgaridade, obscenidade – estas coisas estritamente confinadas ao homem; ele as inventou. Entre os animais superiores não há vestígios delas. Eles não escondem nada. Eles não tem vergonha”.

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Mark Twain, mais uma vez: “A Bíblia contém poesia nobre… e alguns bons costumes, e uma riqueza de obscenidades, e mais de mil mentiras”.

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Caroline Graham: “… Isto vem da Bíblia – o livro obsceno favorito das crianças em idade escolar”.

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Georges Bernard Shaw: “Coisas obscenas podem ser encontradas em todos os livros, exceto na lista telefônica”.

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Holbrook Jackson: “A história prova que não há melhor propaganda para um livro do que condená-lo por obscenidade”.

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Renata Adler: “Segue-se um pouco de obscenidade aqui, uma pitada de filosofia ali, muitas lamentações em geral, e nasce um romance satírico moderno”.

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Wayne Pacelle: “A definição de obscenidade nas bancas deveria ser estendida a muitas revistas de caça”.

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Larry Flynt (editor de revistas pornográficas): “Se o corpo humano é obsceno, reclame com o fabricante, não comigo”.

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Denis Diderot: “Quando o padre apoia uma inovação, ela é má; quando se lhe opõe, ela é boa”.

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Ulysses Guimarães: “Não é o poder que corrompe o homem. O homem é que corrompe o poder”.

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William Shakespeare: “Só o tempo pode revelar-nos um homem bom; o perverso pode ser conhecido em apenas um dia”.

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Voltaire: “A política tem a sua fonte na perversidade e não na grandeza do espírito humano”.

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Darcy Ribeiro: “O Brasil, último país a acabar com a escravidão, tem uma perversidade intrínseca na sua herança, que torna a nossa classe dominante enferma de desigualdade, de descaso”.

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Edgar Allan Poe: “Creio que a perversidade é um dos impulsos primitivos do coração humano – uma das faculdades, ou sentimentos primários, que dirigem o caráter do homem”.

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Maquiavel: “Quem num mundo cheio de perversos pretender seguir em tudo os ditames da bondade, caminha inevitavelmente para a própria perdição”.

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Havelock “Somente grandes homens são verdadeiramente obscenos. Se não ousassem ser obscenos, nunca ousariam ser grandes”.

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Elsa Morante: “A história, é claro, é toda obscenidade. Desde o início”.

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François Marie Charles Fourier: “O casamento parece ter sido inventado para recompensar os perversos”.

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Elvis Presley: “Cara, tudo o que eu fazia era natural. Acho que se você tem uma mente suja vê sujeira nos outros”.

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Juvenal: “Nenhum homem se tornou perverso de uma vez”.

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Eu: “Ausente no Pleistoceno, no Oligoceno e no Mioceno, o homem abunda no obsceno”.

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Thomas Macaulay: “Talvez ninguém possa ser poeta, ou mesmo apreciar a poesia, se uma certa perversão na mente”.

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Eça de Queirós: “Eu não sou um moralista: sou um artista; o artista é um ser nefasto – que não é responsável pelas suas fantasias nem pelas suas vinganças”.

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Anatole France: “Raras vez abri por descuido uma porta privada que não presenciei um espetáculo que não me tenha feito julgar a humanidade com lástima, com asco ou com horror”,

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H. L. Mencken: “Imoralidade é a moralidade daqueles que estão se divertindo mais do que nós”.

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Contardo Calligaris: “Em ordem cronológica, Deus, família e pátria são, em nossa história, as grandes matrizes do mal e da imoralidade: é em nome desses três espantalhos que a humanidade se permitiu cometer seus piores crimes”.

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Lenny Bruce: “Sexo e obscenidade não são sinônimos”.

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Henry Miller: “Todo mundo diz que sexo é obsceno. A única verdadeira obscenidade é a guerra”.

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Dorothy Parker: “A obscenidade é uma mercadoria valiosa demais para ser jogada em todos os lugares; deve ser retirada do cofre apenas em ocasiões especiais”.

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Nagisa Oshima: “Nada do que é expresso é obsceno. O que é obscenidade é o que permanece oculto”. 

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Moana Pozzi: “Gosto de obscenidade; por outro lado, a vulgaridade me entedia, o que é simplesmente de mau gosto. O obsceno é ‘o’ sublime”.

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Christina Strad: “Todo mundo gosta do obsceno; isto é a vida real”.

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Clarissa Pinkola Estés: “Um pouco de obscenidade ajuda a superar a depressão. Certas risadas provocada por histórias antigas que as mulheres contam umas às outras atiçam a libido, reacende o fogo do interesse pela vida”.

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Christopher Hitchens: “É verdade que a obscenidade é uma questão de gosto e de quem vê”.

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Jane Alexander: “Não sei como alguém definiria obscenidade. Tenho certeza de que a definição é diferente de acordo com a idade em que se vive”.

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Brendan Gill: “A obscenidade é um estável identificador da vida e é suprimida com grave perigo para as artes”.

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Lina Wertmuller: “Quando você pode usar palavrões em todas as situações com todos, isso é uma grande libertação”.

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Marlon Brando (no filme Apocalipse Now, de Francis Ford Coppola): “Ensinamos nossos jovens a jogar Napalm nas pessoas, mas seus comandantes não deixam escrever merdas em seus aviões porque é… obsceno”.

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Desmond Tutu: “Oponho-me veementemente à pena de morte para qualquer pessoa. Acho uma obscenidade”.

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Anwar Sadat: “Isto [fundamentalismo] não é religião. É obscenidade. Isto são mentiras, o uso criminoso do poder religioso para desorientar as pessoas”.

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D. H. Lawrence: Como a obscenidade é a verdade da nossa paixão hoje, ela é a única substância da arte – ou quase a única”.

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D. H. Lawrence, de novo: “Para o puritano tudo é impuro”.

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Joris-Karl Huysmans: “Somente os castos são verdadeiramente obscenos”.

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Ennio Faiano: “A castidade é a miragem do obsceno”.


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Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em coautoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996), Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia) e Chegou a tua vez, moleque! (2021, Editora Limiar). Colabora com o Blog da Boitempo mensalmente.

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