Um operário das palavras

Imjagem: Wikimedia Commons
Por Regina Dalcastagnè
Publicado pela primeira vez em 1978, Crônicas da vida operária fica a cada dia mais atual. Trata da vida miserável de trabalhadores da indústria, sempre esfolados pelos capatazes, sempre aguardando a próxima demissão. Em meio ao cansaço e ao desânimo, à fofoca nos banheiros e à expectativa de uma vida melhor, eles vão tocando os dias, que se somam uns aos outros, sem folga.
Em poucas páginas, com relatos breves e linguagem exata, o autor abre os portões e nos coloca dentro da fábrica, acompanhando a perspectiva dos operários, sentindo seus calos, a dor nos músculos no fim do dia, a vontade de fazer um serviço bem-feito, apesar de tudo. É quente, é barulhento e conturbado, é desgastante, mas a gente se pega sorrindo com eles, como sorrimos ao ouvir Lula falar de seus tempos de chão de fábrica.
E isso não é por acaso: Roniwalter Jatobá também foi operário e também domina as palavras. A experiência e o convívio com possíveis futuras personagens certamente não são suficientes para se escrever boa literatura, mas em mãos talentosas permitem a construção de uma representação menos convencional, mais cheia de vida, além de nos oferecer uma aproximação com existências que costumam estar pouco presentes em nossa literatura, e em nosso imaginário, embora não passemos um minuto sequer sem o produto de seu trabalho.
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Regina Dalcastagnè é professora da Universidade de Brasília e pesquisadora do CNPq. Coordena o Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea.
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Crônicas da vida operária, de Roniwalter Jatobá
Pioneiro ao mover para o centro da literatura o operário, Roniwalter Jatobá traz em Crônicas da vida operária uma série de textos que reconstrói o universo dos trabalhadores fabris dos anos 1970. Com sensibilidade e rigor textual, o autor explora o intenso fluxo migratório do período, quando milhares de pessoas foram empurradas de seus locais de origem para servir de mão de obra barata para o “milagre econômico brasileiro”.
Paragens, de Roniwalter Jatobá
Migração é a experiência que une os três textos e revela as mazelas de um país marcado por mudanças violentas: do tráfico negreiro às peregrinações cotidianas nas grandes cidades, chegando ao êxodo rural do Norte e Nordeste rumo ao Sul do país. O operário migrante, homens e mulheres comuns que enfrentam as agruras do dia a dia, é o tema central do trabalho de Roniwalter. Este livro reúne três novelas: “Pássaro Selvagem” conta a história de um menino que se muda para a cidade grande, saindo de uma povoação impactada pela construção da rodovia Rio-Bahia. “Paragens”, que dá título ao volume, evoca o mergulho em si mesmo de um personagem que, depois de várias migrações, percorre as ruas inundadas de São Paulo e as estações de trem, até seu destino, que é nenhum. Sua última frase é: “Sigo calado, molhado, bestando”. Já em “Tiziu”, Agostinho Xavier conta sua jornada. Após perder a mão em um acidente de trabalho, se vê solitário na cidade grande. Desesperado pela falta de auxílio que não chega, deixa-se tomar por um arroubo de violência.
Sabor de química, de Roniwalter Jatobá
O campo e a cidade são os polos que se encontram neste livro de estreia de Roniwalter Jatobá. Escrito no fervor da ditadura civil-militar, a obra carrega a característica central que irá marcar todos os demais trabalhos do autor, o de trazer para o centro aqueles que sempre ficaram às margens. Os despossuídos, desenraizados, as ruas de terra com moradias precárias, a falta de saneamento básico, os salários que não chegam ao fim do mês, os transportes públicos lotados e insuficientes e as humilhações corriqueiras aparecem aqui como protagonista de uma literatura que incomoda e chacoalha o leitor.
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