Frantz Fanon e o cinema: filmes para pensar a política “Desde Fanon”

Cena de Fanon (2025), de Jean-Claude Barny. Imagem: Divulgação
Por Alysson Oliveira
Frantz Fanon é um dos nomes fundamentais do pensamento do século XX. Formando em psiquiatria, o revolucionário martinicano foi influente nos estudos anticoloniais e de raça. Marxista e humanista, ele apoiou a Guerra de Independência da Argélia em relação à França e foi membro da Frente de Libertação Nacional da Argélia. Suas ideias — e prática — influenciaram os movimentos de libertação na África, além de organizações políticas em diversos países. E, claro, também ganharam as telas do cinema.
Em comemoração ao centenário de nascimento do médico e filósofo, recentemente estreou na França o longa Fanon, do cineasta guadalupense Jean-Claude Barny. Enquanto o filme não chega aos cinemas brasileiros, o Blog da Boitempo publica uma lista de filmes que dialogam com a obra fanoniana, mostrando como seu pensamento está vivo e pulsante na cultura.
Cena de Frantz Fanon: Pele Negra, Máscara Branca (1995), de Isaac Julien. Imagem: Divulgação
Dirigido pelo cineasta e artista britânico Isaac Julien, e lançado em 1995, Frantz Fanon: Pele Negra, Máscara Branca (Filmicca) aborda a vida e a obra de Fanon, interpretado por Colin Salmon, reconstruindo sua trajetória a partir de encenações, imagens de arquivo e entrevistas com figuras como Stuart Hall, Françoise Vergès e Homi K Bhabha.

Cena de A morte branca do feiticeiro negro (2020), de Rodrigo Ribeiro-Andrade. Imagem: Divulgação
O brasileiro A morte branca do feiticeiro negro (Globoplay), dirigido por Rodrigo Ribeiro-Andrade, é de pungência temática e particular beleza formal. O curta-metragem resgata as memórias de Timóteo, negro escravizado que morreu em Salvador, em 1861. Partindo do texto de sua carta de suicídio e trazendo imagens contundentes, o curta dá voz a um homem silenciado cujas palavras ecoam até nosso presente.





Cenas de A batalha de Argel (1966), de Gillo Pontecorvo. Imagem: Divulgação
É impossível pensar em Fanon e cinema sem chegar ao clássico A batalha de Argel (disponível em DVD), do italiano Gillo Pontecorvo. O longa de 1966, ganhador do prêmio máximo no Festival de Veneza daquele ano e indicado em três categorias no Oscar (Direção, Roteiro e Filme Estrangeiro), oferece um olhar potente sobre a luta de independência da Argélia que expõe de maneira precisa a mentalidade colonial europeia. Na França, à época de seu lançamento, foi considerado tão antifrancês que foi boicotado nos cinemas.
Cena de Queimada (1969), de Gillo Pontecorvo. Imagem: Divulgação
Do mesmo cineasta, o longa Queimada (Belas Artes À La Carte) também aborda o processo colonial de forma marcante. Protagonizado por Marlon Brando, o filme se passa numa ilha fictícia do Caribe cuja história remete a eventos ocorridos em diversas ex-colônias — inclusive o Brasil, especialmente no que remete à colonização portuguesa e à luta e a resistência das pessoas escravizadas nos quilombos. Brando interpreta um representante da coroa inglesa que chega ao local para instigar uma revolta contra os colonizadores portugueses e favorecer os negócios de seu país. Anos depois, ele retorna à ilha, mas com outros interesses.
Cena de A negra de… (1966), de Ousmane Sembène. Imagem: Divulgação
O cineasta senegalês Ousmane Sembène é uma figura central quando se pensa em Fanon no cinema. Seus filmes estão em constantes diálogo com as proposições do filósofo, em especial em A negra de…, sobre uma jovem senegalesa que, esperando uma vida melhor no exterior, aceita trabalhar como governanta de uma família francesa. Quando se muda para a França com eles, porém, ela toma consciência de sua raça ao sofrer maus-tratos de seus empregadores.
Cena de Cumbite (1964), de Tomás Gutiérrez Alea. Imagem: Divulgação
Por fim, Cumbite, do cubano Tomás Gutiérrez Alea, é protagonizado por um homem que volta para o Haiti depois de passar 15 anos trabalhando em Cuba. Em seu país, marcado pela desigualdade e a miséria, ele quer colocar em prática a ideia de cooperação mútua para a construção de um canal a fim de combater a seca que assola a região, mas os princípios individualistas parecem demasiadamente enraizados nas pessoas para que elas ajam de forma coletiva. O roteiro é baseado no romance do marxista haitiano Jacques Roumain, fundador do Partido Comunista e uma das principais figuras da literatura de seu país.
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Alysson Oliveira é jornalista e crítico de cinema no site Cineweb, membro da ABRACCINE – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, e escreve sobre livros na revista Carta Capital. Tem Mestrado e Doutorado em Letras, pela FFLCH-USP, nos quais estudou Cormac McCarthy e Ursula K. LeGuin, respectivamente. Realiza pesquisa de pós-doutorado, na mesma instituição, sobre a relação entre a literatura contemporânea dos EUA e o neoliberalismo, em autores como Don DeLillo, Rachel Kushner e Ben Lerner.
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“Nos bastidores de Desde Fanon: o pensamento fanoniano cem anos depois”: debate de lançamento antecipado do livro com os autores Deivison Mendes Faustino e Muryatan Santana Barbosa Debate. Mediação de Cristiane Sabino.
Quinta-feira, 10 de julho de 2025, às 17h. Ao vivo na TV Boitempo
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O psiquiatra e revolucionário martinicano Frantz Fanon (1925-1961) é o objeto desta coletânea de ensaios escritos por Deivison Faustino e Muryatan Barbosa. Desde Fanon reúne seis artigos sobre o revolucionário e busca analisar e atualizar questões colocadas por ele e ainda latentes em nosso tempo, como a relação entre capitalismo, racismo e colonialismo.
Com uma escrita fluida e provocativa, os autores “reivindicam e dão frescor ao Fanon que se faz ainda mais necessário em nossos dias: o intelectual-revolucionário cuja práxis foi efetivada na luta contra as correntes coloniais e capitalistas; o Fanon que levou às últimas consequências sua convicção na possibilidade de emergência de um ser humano novo”, escreve Cristiane Sabino na orelha do livro.

Apesar da possibilidade de leitura em separado, a organização dos capítulos feita pelos autores ganha lógica e continuidade. Os dois primeiros textos — “Fanon e a configuração colonialista” (Muryatan) e “Hegel, Fanon e a (suposta) interdição da dialética” (Deivison) — buscam explorar interpretações possíveis do pensamento de Fanon, destacando questões de suas formulações intelectuais. Os artigos três e quatro aplicam algumas dessas interpretações e analisam diferentes temáticas: “Tortura e configuração colonialista: uma leitura fanoniana do livro Tortura na colônia de Moçambique (1963-1974)” (Muryatan); e “Freud, Fanon e o mal-estar colonial” (Deivison, em parceria com a psicanalista e professora Miriam Debieux). Os dois últimos textos, “Homi Bhabha leitor de Frantz Fanon: acerca da ‘prerrogativa pós-colonial’ e do Fanon ‘pós-colonial’” (Muryatan) e “Frantz Fanon teórico da tecnologia digital” (Deivison, escrito em parceria com o historiador Walter Lippold), apresentam um diálogo com outros estudiosos de Fanon e que revisitam seu pensamento por perspectivas distintas.
“Acontecimentos recentes como o genocídio e a limpeza étnica na Palestina, as ameaças de anexação do Canadá e da Groenlândia e, sobretudo, a intensificação dos conflitos armados em torno do cobalto na República Democrática do Congo, entre outros, explicitam a atualidade da teoria fanoniana e a necessidade de retomar alguns trabalhos que sistematizam sua teoria”, escrevem os autores na apresentação.

“Ao contrário do que se supõe, em Fanon a dialética do reconhecimento é um traço humano fundamental à nossa constituição como sujeitos, não isento de conflitos e contradições com o outro e consigo. É na relação contraditória com o (outro) exterior que se produz o Sujeito, ele próprio produto e ao mesmo tempo produtor desta mesma relação. Por essa razão, não há servo sem senhor nem senhor sem servo, ou seja, o Sujeito não existe sem seu objeto e, de certa forma, é subordinado à medida em que é transformado por ele”.
— Deivison Faustino em “Hegel, Fanon e a (suposta) interdição da dialética”
“Preocupado com o futuro que se delineava às novas nações africanas, Fanon tornou-se concomitantemente um agudo observador das relações coloniais, independentemente de sua manutenção como uma estrutura de poder, em sociedades coloniais ou neocoloniais, enquanto configuração colonialista, na América ou na Europa. Nesse sentido, cabe, por exemplo, revalorizar a leitura fanoniana sobre o racismo, ou sobre as dicotomias entre o “mundo colonial” e o “mundo colonizado”, como espaços diferentes de vivência nas “cidades coloniais”. O próprio autor projeta que a continuidade das relações coloniais se colocaria também nas sociedades neocoloniais, para além da relação de dominação colonial entre países, metrópole e colônia“
— Muryatan Barbosa em “Homi Bhabha leitor de Frantz Fanon: acerca da ‘prerrogativa pós-colonial’ e do Fanon ‘pós-colonial’”
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Ótima sugestão de filmes.
Também poderíamos acrescentar, entre tantas opções, dois filmes brasileiros que dialogam diretamente com Frantz Fanon: o longa Copacabana mon amour (1970), de Rogério Sganzerla, no qual, nos diálogos, há citações “ipsis litteris” d’Os condenados da terra, assim como no curta O tigre e a gazela (1976), de Aloysio Raulino.
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Fantásticos adendos!
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