Um mestre da dialética: conheça a obra de Chico de Oliveira

Chico de Oliveira no Seminário Internacional Crise do capital e perspectivas do socialismo, promovido pelo Sesc CPFL e a Editora Boitempo, em 2009. Foto: Damião A. Francisco/CPFL Cultura.

Seis anos atrás, em 10 de julho de 2019, perdíamos Francisco Maria Cavalcanti de Oliveira — o Chico, um dos nossos mais originais e afiados sociólogos, que deixou uma contribuição inestimável não apenas no campo da sociologia, mas para o marxismo e o pensamento crítico brasileiro em geral.

Para celebrar seu legado, reunimos abaixo indicações de leitura e conteúdos gratuitos disponíveis no Blog e na TV Boitempo para quem quer conhecer e se aprofundar na obra desse grande marxista brasileiro. Entre 10 e 17 de julho, aproveite descontos de até 50% em livros selecionados, escritos por Chico de Oliveira ou sobre o autor, no site da Boitempo (promoção sujeita a estoque).


Chico de Oliveira foi um verdadeiro “mestre da dialética”, como o descreveria ninguém menos que Roberto Schwarz em artigo-homenagem republicado pelo Blog da Boitempo. E isso apesar do contato tardio com a obra de Marx. Conforme contou à revista Margem Esquerda #10: “Me tornei marxista já bem adiantado. Na verdade, a minha formação marxista completou-se em São Paulo já nos anos 1960. Não foi em Recife”, cidade onde nascera em 7 de novembro de 1933.

No depoimento concedido a Ivana Jinkings, Marcelo Ridenti, Wolfgang Leo Maar e Flávio Aguiar para a publicação semestral da Boitempo, ele fala sobre sua trajetória intelectual e de vida profundamente ligada à história do Brasil recente.

Aqui se destacam a atividade na Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – Sudene, e o contato com o pensamento de Celso Furtado, que presidiu o órgão, e a quem dedica os ensaios reunidos em A navegação venturosa. A obra remonta à década de 1960 e o clima de efervescência política e intelectual que precedeu o golpe civil-militar. Seu ponto de vista é da amizade entre os dois, buscando assim ressaltar o melhor da contribuição intelectual de Furtado — o que inclui, necessariamente, discordâncias —, estabelecendo um “diálogo sobre as grandezas” do economista, mas sem subserviências diante de um dos grandes intelectuais brasileiros de todos os tempos (e republicano exemplar).


A entrevista também aborda da fundação do Cebrap, as divisões na intelectualidade paulista e seus ecos na vida partidária do PSDB e PT (incluindo suas relações e opiniões sobre os mandatos de Fernando Henrique Cardoso e Lula). Cenário de debates tratado a fundo no livro Lugar periférico, ideias modernas: aos intelectuais paulistas as batatas.

Em Lugar periférico, ideias modernas, Fabio Mascaro Querido revela que “foi nessa atmosfera intelectual que, logo depois de integrar-se ao Cebrap, em 1970, Francisco de Oliveira escreveu o ensaio (depois transformado em livro) pelo qual se tornaria conhecido, ‘Crítica à razão dualista’“. Debatido em mesas por nomes como Caio Prado Jr., o texto em certa medida representa um “acerto de contas com seu passado furtadiano”, amealhando ainda “um alvo interno ao Cebrap, qual seja justamente a caracterização de Fernando Henrique Cardoso da ditadura militar como impulsionadora de uma ‘revolução econômica burguesa’ no Brasil”.

“Se era um equívoco cravar por princípio a impossibilidade do desenvolvimento econômico sob o regime autoritário, nem por isso o novo padrão de desenvolvimento instaurado poderia ser qualificado como uma ‘revolução burguesa’, mesmo que ‘limitada’, como o fazia Cardoso. Tratava-se, antes, de uma nova rodada de ‘progressão das contradições’.”
Fabio Mascaro Querido em Lugar periférico, ideias modernas sobre a Crítica à razão dualista.

O estudo de Fabio Querido Mascaro traz importantes análises sobre o contexto histórico e a produção intelectual não apenas de Chico de Oliveira, como de Marilena Chaui, Paulo Arantes, Francisco Weffort, Fernando Henrique Cardoso e, sobretudo, Roberto Schwarz.


Segundo André Singer defendeu em seu texto “Chico de Oliveira: a chispa da imaginação”, publicado originalmente no número 33 da Margem Esquerda, em ocasião do falecimento do sociólogo, e republicada no Blog da Boitempo: “Chico achava que apenas a tradição de pesquisa aberta na América Latina no pós-guerra tinha sido capaz de construir uma verdadeira teoria do capitalismo nas periferias do sistema, desvendando, a partir dela, construtos ornitorrínquicos como o Brasil e… a Rússia.”

Em uma das últimas entrevistas que concedeu em vida, refletindo sobre seu itinerário e a truncada formação brasileira, Chico de Oliveira revelou à TV Boitempo que sua obra favorita continuava sendo o ensaio de 1972, que se tornou uma clássica reflexão sobre o país, redefinindo o pensamento sobre a economia brasileira e desafiando convenções — atualizado décadas depois, no alvorecer do primeiro governo Lula, quando introduz o ornitorrinco como uma metáfora que caracteriza o Brasil contemporâneo:

“O ornitorrinco é isto: não há possibilidade de permanecer como subdesenvolvido e aproveitar as brechas que a Segunda Revolução Industrial propiciava; não há possibilidade de avançar, no sentido da acumulação digital-molecular: as bases internas da acumulação são insuficientes, estão aquém das necessidades para uma ruptura desse porte. Restam apenas as ‘acumulações primitivas’, tais como as privatizações propiciaram: mas agora com o domínio do capital financeiro, elas são apenas transferências de patrimônio, não são, propriamente falando, ‘acumulação’. O ornitorrinco está condenado a submeter tudo à voragem da financeirização […]
— Chico de Oliveira

O livro que reúne ambos os textos lhe rendeu o prêmio Jabuti de ciências humanas. Em 2023, a TV Boitempo realizou uma série de debates para comemorar duas décadas de O ornitorrinco. Também no Blog da Boitempo há um artigo que relembra seus 20 anos de sua publicação.


No último livro que publicou em vida, Brasil: uma biografia não autorizada, Chico de Oliveira desvela o país do futuro que não se realizou com a verve polêmica que lhe é característica. Num momento em que a hipótese de uma superação do subdesenvolvimento não está mais em questão sem que, em seu lugar, uma nova rota de acesso à modernidade democrática esteja em vista, os artigos reunidos nessa antologia analisam o Brasil em suas particularidades e contradições, oferecendo uma síntese da produção intelectual de maturidade do autor. Entre outros escritos, o livro inclui um longo ensaio histórico sobre a formação do país e o artigo em que se deu a gênese do conceito de “hegemonia às avessas” para tratar do momento político iniciado na fase lulista.


O seminário “A fortuna crítica de Chico de Oliveira: 50 anos de Crítica à razão dualista”, organizado por Camila Góes e Ronaldo Tadeu de Souza e realizado virtualmente através do canal da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP em outubro de 2022, reuniu estudiosos da obra do autor para discutir a atualidade — e limites — da leitura da formação nacional que ali se apresenta.

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