Um paraense em Paris
Estelle e Claire. São as donas da Asphalte Editions. Jovens, ali pelos 30, são bem audaciosas. A primeira tem traços orientais, filha de pai vietnamita. A segunda é bem francesa, mesmo. A sede fica fora do centro de Paris. Para chegar lá, um bom tempo de metrô. Uma região com muitos orientais morando. Lá encontrei Diniz Galhos, parisiense filho de portugueses, tradutor dos meus livros lançados por lá e intérprete. “Há muito que as meninas vinham procurando um autor brasileiro. Elas são voltadas para o noir. Tem a coleção de cidades do mundo, com ficção noir, mas nada do Brasil interessava até que, em Frankfurt, apareceu o seu nome e elas gostaram”.
Dou entrevistas para a RTF e para um canal de televisão especializado em Cultura. O que mais me espanta nos “colegas” jornalistas, é que eles leram meus livros antes de me entrevistar. Isso dificilmente acontece aqui no Brasil.
Depois encontro mais dez escritores brasileiros no que se chamou “Trem do Livro”, um TGV inteiro que levou para Saint Malo uma multidão de autores e cineastas para o “Les Etonnants Voyageurs”, festival que leva à cidade na costa da Bretanha uma multidão de heavy leitores e cinéfilos, que passam um final de semana inteiro ouvindo entrevistas com os escritores e cineastas. Fazemos uma roda, eu, Raimundo Carrero, Marcelino Freire, Luiz Ruffato e Paulo Lins. O Prefeito faz a abertura do evento e vamos aos hotéis deixar a bagagem e seguir para o trabalho. Um teatro para quase mil pessoas. Um Café Literário para umas trezentas e salas menores, todas lotadas. As atrações não param. Mais uma vez me espanto em perceber que todos os mediadores leram meus livros e sabem perfeitamente o que querem saber. Logo no primeiro dia, decido iniciar minha fala convidando a plateia para conhecer um outro mundo, a Amazônia. Um novo cenário. Mas os dramas são os mesmos. Escrevemos sobre pessoas. O que difere é o estilo. Eles se interessam. Percebo que mesmo os meus confrades sabem pouco sobre o Pará. Sobre mim. Depois, no stand da Asphalte, assino livros e percebo que conquistei leitores. Lá está, também, Cédric, autor de algumas estórias do livro de literatura noir sobre Marselha. Ele já morou no Brasil e exercita seu português comigo. Aproveitamos para falar palavrões na frente de pessoas que não nos entendem. E rimos. Depois estive em uma mesa com um sírio, uma chinesa de Xangai, uma polonesa/russa. Cada um fala de seu livro e responde perguntas. Cansativo, mas inesquecível para um escritor como eu. Na volta, sentam comigo uma francesa e um iraquiano. Escritores, claro. E marroquinos. Bebem e contam piadas chulas como poucos. Que bom. Meu último compromisso é na Livraria Charybde, aberta naquela noite, especialmente, para me receber e também para a gravação de uma entrevista para o rádio.
As meninas são impecáveis. A plateia cobra outros romances. Elas riem. Parece que já estão negociando. Penso em Ivana Jinkings e na querida Boitempo. Quando liguei e falei quem era e que tinha um livro, Ivana disse que sua editora era, preferencialmente de ensaios, biscoitos finos, digamos. Mas que leria. Hoje, digo que devo tudo a ela e sua equipe. A Boitempo me colocou em todo o Brasil. Me fez romper fronteiras com livros muito bem cuidados, bem feitos, bonitos. E agora, quem sabe, relançamos os primeiros, enquanto escrevo um novo. A Boitempo, que cresceu sem se afastar um milímetro de seus objetivos, é hoje uma casa importante e digna. Vejo em Estelle e Claire a mesma vontade de vencer, o amor à literatura, a seriedade e o carinho em produzir belos livros, com apuro desde a capa. Tudo está sendo preparado para eu retornar à França em outubro, para mais um festival. E em março do ano que vem. Será? E tudo começa e está muito bem comigo, na Boitempo e na Asphalte. Trèsbien.
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Os dois primeiros romances de Edyr Augusto, Os Éguas e Moscow, acabaram de ser traduzidos e publicados em francês pela editora parisiense Asphalte. Selva concreta, seu livro mais recente já está disponível em versão eletrônica (ebook) por uma fração do preço do impresso nas livrarias Amazon, Gato Sabido e Travessa, entre outras.
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Edyr Augusto Proença é jornalista, radialista, redator publicitário, autor de teatro e de jingles. É autor de cinco livros de poesia: Navios dos cabeludos (1985), O rei do Congo (1988), Surfando na multudão (1992), Indêncio nos cabelis (1995) e Ávida vida (2011). Estreou em prosa na Boitempo Editorial, em 1988, com Os Éguas. Desde então, publicou os romances Moscow (2001), Casa de caba (2004) e o mais recente Selva Concreta – obra que em 2007 ganhou edição em inglês pela britânica Aflame Books, com o título Hornets’ Nest –, além do livro de contos Um sol para cada um (2008).
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