Um materialista consequente e rigoroso
Vladimir Safatle apresenta a aguardada edição brasileira de "Trabalho intelectual e manual", de Alfred Sohn-Rethel
Retrato de Alfred Sohn-Rethel por Kurt Schwitters (1940)
Por Vladimir Safatle
Este livro veio tarde. Seu autor tinha 71 anos quando foi publicado. Por isso, como uma espécie de coruja de Minerva que só levanta voo no fim da tarde, Trabalho intelectual e manual apareceu como essas obras que conseguem sintetizar o esforço de toda uma geração. Alfred Sohn-Rethel foi muitas vezes uma espécie de eminência parda da primeira geração da escola de Frankfurt, em especial para Adorno, Benjamin e Kracauer. Seu materialismo consequente e rigoroso lhe permitiu realizar uma das mais impressionantes gêneses materiais do sistema filosófico de ideias da filosofia moderna que conhecemos. Tal reflexão genealógica serve de chave de interpretação para a crítica da razão presente nos momentos mais vigorosos da primeira geração da teoria crítica.
Levando a sério os princípios de Marx e Engels em A ideologia alemã a respeito da necessidade de operar uma interpretação materialista do que estamos dispostos a contar como universal e a-histórico, Sohn-Rethel defende que, “no âmago da estrutura formal da mercadoria, estava o sujeito transcendental”. Ou seja, a análise da forma mercadoria não serve apenas para desvelar os modos de produção do valor social ou de produção das transformações estruturais nos sujeitos que as produzem. Para além do esclarecimento do que efetivamente fazemos em nossa dimensão prática, ela agora nos permite compreender o inconsciente do que nos serve como teoria do conhecimento. Nesse inconsciente da filosofia transcendental encontramos a fábrica, as máquinas, as abstrações reais pressupostas pelo processo social de produção do valor, a “identidade secreta entre forma mercadoria e forma pensamento” – maneira de descobrir como a razão pura não era tão pura assim, que trabalho manual e trabalho intelectual sempre estiverem mais próximos do que alguns gostariam de acreditar.
Sohn-Rethel desenvolve assim um trabalho sem par na história da filosofia, seja pela originalidade, seja pela força crítica. Num momento em que a teoria crítica é questionada em sua capacidade de efetivamente dar conta da profundidade das crises sociais que marcam nosso tempo, obras como essa demonstram o que pode um pensamento rigoroso e disposto a uma crítica profunda de nossas formas hegemônicas de pensar. Pois em seu horizonte está a consciência de que, “se não conseguirmos derrubar a teoria da verdade atemporal nas teorias do conhecimento das ciências da natureza, será então apenas uma questão de tempo para que o marxismo seja abandonado como cânone para o pensamento”.
Qual a relação entre dinheiro e conhecimento? Nesta genealogia da separação entre trabalho intelectual e manual, Alfred Sohn-Rethel revela as afinidades estruturais e estruturantes entre as abstrações conceituais do pensamento ocidental e a forma mercadoria. Um dos principais textos da teoria marxista do pós-guerra, Trabalho intelectual e manual exerceu influência decisiva sobre os principais autores da chamada Escola de Frankfurt, como Theodor Adorno e Walter Benjamin.
Sohn-Rethel desenvolve a tese ousada de que a análise marxiana da mercadoria é chave não só da crítica da economia política, mas também da origem histórica do próprio pensamento conceitual ocidental e da divisão entre “cabeça e mão” que dele decorre: “a separação entre trabalho intelectual e manual é tão imprescindível para a dominação da classe burguesa quanto a propriedade privada dos meios de produção.” Ao cunhar o conceito de “abstração real” e reposicionar as discussões sobre ciência, técnica e epistemologia no campo marxista, a obra de Sohn-Rethel apresenta fertilidade duradoura para a filosofia crítica contemporânea, inspirando autores como Slavoj Žižek, Anselm Jappe, Antonio Negri e Giorgio Agamben, entre outros.

“Alfred Sohn-Rethel foi o primeiro a chamar a atenção para o fato de que na atividade universal e necessária do espírito, se esconde incondicionadamente trabalho social.”
Theodor W. Adorno
Fruto de mais de cinquenta anos de elaboração e reelaboração, Trabalho intelectual e manual chega pela primeira vez às livrarias brasileiras com tradução direta do alemão feita por Elvis Cesar Bonassa a partir da edição mais recente da obra, consolidada após detalhada revisão do autor. Com prefácio de Olgária Matos e orelha de Vladimir Safatle, a edição da Boitempo vem incrementada de preciosos anexos que documentam a rica interlocução de Sohn-Rethel com Adorno e Benjamin.
Assine até o Armas da crítica até o dia 15 de dezembro e receba:
Um exemplar de Trabalho intelectual e manual, de Alfred Sohn-Rethel em versão impressa e e-book
Caderno + cartão postal
Marcador + adesivo
Guia de leitura multimídia no Blog da Boitempo
Vídeo antecipado na TV Boitempo
30% de desconto em nossa loja virtual
Benefícios com parceiros do clube
***
Vladimir Safatle é professor titular dos Departamentos de Filosofia e de Psicologia da USP. Autor de, entre outros, Só mais um esforço e Em um com o impulso (Autêntica), Cinismo e falência da crítica e O que resta da ditadura: a exceção brasileira, esse último organizado com Edson Teles, ambos pela Boitempo.
Deixe um comentário