Os livros favoritos de Karl Marx

Nos 170 anos de nascimento de Eleanor Marx, o Blog da Boitempo publica um trecho de "Karl Marx: folhas avulsas", um relato da convivência com o pai, escrito em 1895.

Por Eleanor Marx

[…] Mouro também lia para as crianças. Para mim, leu toda a obra de Homero, a Saga dos nibelungos, Gudrun, Dom Quixote e As mil e uma noites, tal como lera antes para minhas irmãs. Em casa, Shakespeare era a bíblia; com seis anos, cheguei a decorar cenas completas de sua obra.

Também quando eu completei seis anos de idade, Mouro me deu de presente meu primeiro romance: o imortal Peter Simple [Pedro Simplório]. Então, vieram Marryat e Cooper. Meu pai lia comigo todos esses livros e depois debatia seriamente o conteúdo com sua filhinha. E quando a garotinha – entusiasmada com as viagens marítimas das histórias de Marryat – contou que também queria se tornar capitão do mar [Postkapitän] e lhe perguntou se era possível se vestir de menino e se alistar em um navio de guerra, ele assegurou que sim, mas apenas se ela não dissesse nada a ninguém até que o plano estivesse totalmente maduro. No entanto, antes mesmo de esse plano amadurecer, veio a paixonite por Walter Scott, e fiquei horrorizada ao saber que eu mesma era parente distante do odiado tronco dos Campbell. Então, surgiram os planos para a revolução das Terras Altas [escocesas] e para repetir o levante de 1745. Devo acrescentar que Marx lia Walter Scott repetidamente; ele o admirava e o conhecia quase tão bem quanto Balzac e Fielding. Quando falava sobre esses livros, ele mostrava a sua filha onde ela encontraria o que há de mais belo e de melhor nessas obras; ele a ensinava – sem que ela percebesse – a pensar e a entender.

[…]

Com tamanha paciência e ternura, Mouro respondeu a todas as minhas perguntas quando as histórias da guerra americana e os livros azuis18 suplantaram por algum tempo Marryat e Scott. Passei dias debruçada sobre relatórios do governo inglês e mapas da América. Ele nunca reclamava de minhas interrupções, embora decerto haja sido bem desgastante ter uma criança comunicativa sempre consigo enquanto se dedicava a sua grande obra; ainda assim, jamais deu a entender que eu o atrapalhava. Nessa mesma época, lembro bem, passei a ter a inabalável convicção de que Abraham Lincoln (então presidente dos Estados Unidos) nunca teria sido bem-sucedido sem o conselho que eu lhe dera em longas cartas que escrevi e que passaram pelo crivo de Mouro antes de seguir ao correio. Muitos e muitos anos depois, meu pai me mostrou as correspondências infantis que tanto o divertiram e que ele guardou por todo o tempo.

E, assim, ele se mostrou um amigo ideal durante meus anos de juventude. Em casa, todos éramos bons camaradas, e ele, o melhor e o mais divertido – mesmo na época em que suportava as várias dores provocadas pelo carbúnculo e em seus últimos anos de vida.


Marx pelos marxistas, com textos de Clara Zetkin, David Riazanov, Eleanor Marx, Franziska Kugelmann, Friedrich Engels, Friedrich Lessner, Henry Hyndman, Karl Kautsky, Luise Kautsky, Marian Comyn, Paul Lafargue, Vladímir Lênin e Wilhelm Liebknecht
Organizado e editado por André Albert, o volume reúne desde depoimentos daqueles que conviveram com ele, até reconstruções biográficas feitas décadas após sua morte com a finalidade de edificar sua figura e teoria como guias dos trabalhadores do mundo. Trata-se de um verdadeiro compêndio para compreender como a imagem do homem Karl Marx foi construída pela perspectiva de pessoas que não eram biógrafos de profissão, mas que foram essenciais para dar continuidade a seu legado.

O essencial de Marx e Engels, organização de Marcello Musto
Concebida pela Boitempo, principal editora de Marx e Engels no Brasil, para atingir um público amplo, a antologia O essencial de Marx e Engels, composta por três volumes, propõe um mergulho de fôlego e amplitude sem precedentes nos principais pontos do projeto teórico dos fundadores do marxismo. A organização, as apresentações de cada volume e as notas explicativas são de Marcello Musto, professor italiano com contribuições decisivas no florescente campo de estudo marxiano contemporâneo. A obra conta também com prefácio de José Paulo Netto e textos de apoio de alguns dos maiores especialistas brasileiros: Marilena Chaui, Jorge Grespan, Leda Paulani, Virgínia Fontes, Lincoln Secco e Alfredo Saad Filho. A edição é de Pedro Davoglio.  

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