Um olhar periférico sobre a catástrofe contemporânea
Por Tiago Ferro
Este livro, Prisão perpétua, começa a ser escrito no segundo semestre de 2016 e é finalizado em 2024. O interesse em olhar de frente a explosão política e social do período acaba por esboçar um mapa, incompleto e em alguma medida acidental, da catástrofe contemporânea.
Por um lado, trata-se de um livro com pretensões reduzidas, uma vez que não apresenta qualquer explicação original para os principais aspectos dessa catástrofe: a saber, a emergência da extrema direita, a falência do chamado campo progressista, a crise mundial de refugiados, a crise climática, a intensificação da destruição neoliberal, a baixa potência da produção cultural e da crítica e a violência que se prolifera mundo afora.
Por outro lado, o livro tem suas ambições: aposta que a forma de olhar e manipular com palavras um objeto pode ser, em algum nível e em si mesma, uma proposta de compreensão do mesmo. Essa compreensão é capaz de desvelar, em seus momentos mais felizes, ritmos até então desconhecidos da vida em sociedade, com dissonâncias e descompassos próprios. Daí não ser gratuita a variação de estilos entre os textos, que vão do ensaio mais tradicional a outros abertamente literários e de intervenção, passando pelo gesto mínimo do aforismo, pela resenha e pelo diálogo. Os objetos também variam: desde livros – Chico Buarque, Bob Dylan, contos eróticos, o Livro do desassossego e autores contemporâneos brasileiros – até a indiferença criminosa da classe média, os encontros e desencontros entre chacinas no Brasil e mass shootings nos Estados Unidos, um projeto civilizatório abstruso, o problemático engajamento na arte hoje, um perfil da filósofa Judith Butler, o riso sádico de Bolsonaro, entre outros. O ponto de vista tampouco é fixo: olha-se para as coisas de uma escrivaninha em um apartamento no bairro da Vila Madalena em São Paulo e de uma mesa de biblioteca em uma universidade na Costa Leste dos Estados Unidos.
Entregue o mapa, ou ao menos um esboço de alguns de seus contornos, fica a expectativa do que nos aguarda.
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Tiago Ferro é escritor, crítico e editor. Autor dos romances O pai da menina morta (vencedor do Prêmio Jabuti 2019) e O seu terrível abraço (2023). Tem doutorado em história social pela USP, com tese sobre a obra de Roberto Schwarz. Colabora regularmente com textos sobre cultura e sociedade para a Folha de S.Paulo e a revista Piauí. Pala Boitempo, publicou Prisão perpétua: e outros escritos (2025).
EM PRÉ-VENDA
Prisão perpétua: e outros escritos, de Tiago Ferro
Entre 2016 e 2024, período de turbulência política, social e econômica não só no Brasil, mas no mundo todo, Tiago Ferro escreveu uma série de textos que perpassam o horror e a distopia contemporânea. Prisão perpétua traz ao leitor 27 escritos que vão de ensaios e intervenções a resenhas e experimentações ficcionais.
“Sem requentar dramas existenciais de um século atrás, mas em um clima que não deixa de ser nauseabundo, estamos diante de uma prosa perspicaz que faz um interessante movimento de báscula entre resignação e inconformismo, vindo de uma voz que é ora de um crítico, ora de um narrador – no qual nunca sabemos ao certo se podemos confiar.”
— Felipe Catalani
“Não surpreendem o som e a fúria da prosa de ensaio reunida nesta Prisão perpétua. Transitando aos trancos e relâmpagos entre o diário de bordo e a montagem, juízos finais e paráfrases, alguma crítica literária e cultural comprimida entre imprecações bíblicas dirigidas à conjuntura de fim de linha em que passamos a viver. Numa palavra, um belo pandemônio.”
— Paulo Arantes, autor de O novo tempo do mundo
O texto que dá título ao livro é uma reflexão sobre sua chegada a Princeton, Estados Unidos, cidade onde o autor passou um ano com sua família por conta de uma bolsa de estudos. A experiência do olhar estrangeiro e periférico perpassa outras passagens da obra. O alcance e o fortalecimento da extrema direita no Brasil e no mundo, a precariedade da vida e do trabalho e o aprofundamento da economia neoliberal são também assuntos recorrentes.
Os livros, a música e outras manifestações culturais marcam parte da obra. Ferro passa pela produção de nomes como Chico Buarque, Bob Dylan, Fernando Pessoa, Roberto Schwarz e Judith Butler e os relaciona a temas contemporâneos.
“Estamos diante de uma forma curiosamente outra, que faz da atomização característica de nosso tempo um método de aproximação com a realidade, emprestando elementos da reflexão subjetiva à reflexão objetiva, nem sempre nessa ordem. Dessa outra forma surgem o risco e o desnível de impressões que funcionam como força ordenadora de textos mais longos, como também explodem pequenos fragmentos herméticos, capazes de exigir do leitor tanto a referência teórica quanto a vivida, para o complemento dos recortes”, escreve Nathalia Colli no posfácio.
Disponível a partir de: 14 de abril de 2025.
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