Apelo da Comunidade Acadêmica Internacional em Apoio aos Estudantes e Professores Sérvios
Manifestação estudantil ocorrida em fevereiro de 2025, em Belgrado. Foto: WikiCommons
Há alguns meses, a Sérvia tem sido palco de protestos sem precedentes, iniciados como reação ao desabamento da cobertura de uma estação de trem recém-reformada em Novi Sad (a segunda maior cidade do país) em 1º de novembro de 2024, que vitimou 15 pessoas e feriu gravemente outras duas. Apesar de seu caráter pacífico, as manifestações têm sido alvo de intensa repressão policial por parte do governo. Em 15 de março de 2025, durante uma das maiores passeatas ocorridas desde então na capital, Belgrado, foi registrado o uso de uma arma sônica de longo alcance (considerada ilegal), além de armamento não letal, pelas forças de segurança.
Solidária aos manifestantes sérvios, a comunidade acadêmica internacional se articulou para denunciar a repressão violenta. Em poucos dias, o apelo em apoio a estudantes e docentes da Sérvia reuniu mais de 4.000 assinaturas de professores e pesquisadores de diversas áreas do conhecimento, em todo o mundo. Entre os signatários encontram-se figuras proeminentes, como Nancy Fraser, Slavoj Žižek, Judith Butler, Vladmir Safatle, Kohei Saito e Annie Ernaux, laureada com o Prêmio Nobel de Literatura. Esta mobilização reflete uma profunda preocupação com a opressão brutal que visou os estudantes e acadêmicos que protestavam em Belgrado. Abaixo, reproduzimos o texto traduzido na íntegra.
Expressamos a nossa profunda preocupação em relação aos incidentes violentos ocorridos durante os protestos estudantis em Belgrado, onde manifestantes pacíficos, incluindo estudantes e professores, foram expostos a armas não letais, resultando em ferimentos e grave angústia.
Os relatos de uma inexplicável e potente perturbação sônica que causou pânico em massa e movimentos de debandada entre a multidão levantam questões alarmantes sobre as táticas utilizadas contra cidadãos pacíficos que exerciam os seus direitos fundamentais. O uso deliberado e ilegal de meios concebidos para incitar medo, confusão e desordem numa reunião pública constitui uma grave violação dos Direitos Humanos, incluindo o direito à reunião pacífica, o direito à integridade física e, em última instância, o direito à vida.
Os protestos estudantis surgiram como resposta ao trágico colapso de uma estrutura de cobertura que vitimou 15 pessoas, desastre esse que exemplifica as consequências da corrupção sistêmica, da falência institucional e da falta de responsabilização. A sua exigência pelo Estado de direito e por instituições funcionais não só é legítima, mas também essencial para evitar futuras tragédias e garantir um sistema de governo justo e responsável.
Para além desses acontecimentos preocupantes, condenamos veementemente a campanha de intimidação e difamação contra o reitor da Universidade de Belgrado. Os ataques direcionados contra o reitor, que tem defendido a integridade acadêmica e os direitos dos estudantes, escalaram para uma campanha aberta conduzida por figuras públicas pró-regime que apelam à sua prisão. Essa tentativa descarada de intimidação representa um esforço mais amplo para silenciar vozes críticas dentro do ensino superior e enfraquecer a autonomia das instituições acadêmicas.
Apelamos às autoridades Sérvias para que conduzam uma investigação imediata e transparente sobre os acontecimentos do protesto, de modo a responsabilizar aqueles que recorreram a meios ilegais contra os manifestantes, e garantam a segurança dos estudantes, do corpo docente e de todos os cidadãos que participam na expressão pacífica das suas opiniões.
Estamos solidários com os nossos colegas e estudantes na Sérvia e apelamos às universidades, instituições de investigação e pesquisa, e redes acadêmicas em todo o mundo para que se juntem a nós na condenação desse ato e na reafirmação do nosso compromisso partilhado com os direitos humanos fundamentais.
19 de março de 2025
Entre os signatários estão: Annie Ernaux, laureada com o Prêmio Nobel de Literatura; Axel Honneth, Universidade de Columbia; Etienne Balibar, Université Paris-Nanterre; Jacques Rancière, Université Paris 8; Judith Butler, Universidade da Califórnia, Berkeley; Kohei Saito, Universidade de Tóquio; Nancy Fraser, New School for Social Research; Slavoj Žižek, Universidade de Liubliana; Thomas Piketty, École de Hautes Études en Sciences Sociales e Paris School of Economics; Vladimir Safatle, Universidade de São Paulo; Wolfgang Streeck, Instituto Max Planck.
Se você faz parte da comunidade acadêmica e deseja apoiar este apelo, pode assiná-lo através do formulário disponível no botão abaixo:

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