Para ver e ler: temas e cenários do Studio Ghibli em 5 dicas de leitura

Por Alysson Oliveira
Fundado em 1985 por Hayao Miyazaki, Isao Takahata, Toshio Suzuki e Yasuyoshi Tokuma, o Studio Ghibli tornou-se o centro das discussões do momento quando estourou a trend que propunha gerar por inteligência artificial imagens imitando a estética de suas animações. Enquanto houve quem dissesse se tratar de uma brincadeira ingênua – que, por ventura, poderia até ajudar a divulgar mais essas animações japonesas –, outros alegam, não sem razão, o roubo de propriedade intelectual e de dados dos usuários, relembrando declarações do próprio Hayao Miyazaki a respeito do tema. Em um documentário produzido pelo canal de televisão nipônico NHK, o cineasta classificou a IA como “um insulto à própria vida”.
A pedido do Blog da Boitempo, o crítico Alysson Oliveira preparou uma lista com cinco longas do premiado estúdio de animação japonês — todos atualmente disponíveis na Netflix —, acompanhados por cinco indicações de leitura dos catálogos da Boitempo e da Boitatá. Dicas imperdíveis tanto para quem está chegando agora quanto para aqueles que já acompanham de longa data esses trabalhos, vistos agora em diálogo com outras obras literárias ou teóricas.
PARA VER: A viagem de Chihiro (2001), dirigido por Hayao Miyazaki
PARA LER: Mulheres e caça às bruxas, de Silvia Federici

Imagem: Divulgação.
Possivelmente o filme mais famoso do Ghibli, esse foi o primeiro longa a ganhar o Oscar de Melhor Animação quando da instituição do prêmio, em 2003, desbancando a todo-poderosa Disney. No filme, Chihiro é uma garotinha que muda de cidade com sua família, e, no caminho, acaba indo parar num vilarejo que aparenta ser abandonado, mas, à noite, se revela povoado por criaturas mágicas e dominado por uma bruxa, que transforma os pais da menina em porcos. Em seu livro, a filósofa e feminista italiana Silvia Federici historiciza o fenômeno de opressão às mulheres transformado na caça às bruxas. Sua investigação joga luz não apenas sobre a bruxa que assombra o filme, mas, também, sobre a própria Chihiro oprimida num mundo que não conhece.
Mulheres e caça às bruxas, de Silvia Federici
Um mergulho na história da caça às bruxas, mostrando suas raízes na opressão econômica e apresentando suas marcas atuais, na linguagem e no controle da sexualidade feminina. Traça paralelos com perseguições contemporâneas às mulheres, desafiando o silenciamento.

PARA VER: Contos de Terramar (2006), dirigido por Goro Miyazaki
PARA LER: Tudo de China Miéville

Imagem: Divulgação.
Baseado em uma série de livros da escritora Ursula K. LeGuin, Contos de Terramar é protagonizado por um arquimago e um príncipe que, juntos, lutam contra a invasão de dragões vindos de um mundo distante. Marcado pelo fantástico e a figuração política, o longa é uma introdução ao universo da romancista estadunidense que foi uma das mentoras do escritor britânico China Miéville, conhecido pela criação de mundos fantásticos em seus livros de alto teor político, discutindo o papel e a posição da esquerda no mundo contemporâneo por meio da fantasia.
Outubro, de China Miéville
Em fevereiro de 1917, a Rússia era uma monarquia atrasada e autocrática chafurdada em uma guerra impopular. Em outubro, depois não apenas de uma, mas de duas revoluções, ela havia se tornado o primeiro Estado de trabalhadores do mundo, empenhando-se para estar na vanguarda da revolução global. Como se deu essa transformação inimaginável? Fazendo um giro panorâmico que nos leva de São Petersburgo e Moscou às vilas mais remotas de um império que se alastrava, Miéville revela as catástrofes, intrigas e inspirações de 1917, em toda sua paixão, drama e estranheza. O autor intervém com maestria em debates historiográficos de longa data, mas sua narrativa tem em mente especialmente o leitor não especializado, que busca uma noção abrangente dos fatos daquele ano que mudou todo o século XX.
Leia também o artigo “Marxismo e fantasia”, publicado na revista Margem Esquerda #23.
PARA VER: Ponyo: uma amizade que veio do mar (2008), dirigido por Hayao Miyazaki
PARA LER: A cidade e os animais, de Joan Negrescolor

Imagem: Divulgação.
A relação entre animais e humanos estão no centro das duas obras. Um dos filmes mais singelos de Miyazaki, Ponyo: uma amizade que veio do mar narra a história de um garotinho que encontra um peixinho dourado preso numa garrafa e o liberta, sem saber que se trata da filha de um poderoso mago, que para se aproximar ainda mais do menino, se transforma em humana, descobrindo as dores e alegrias de ser uma pessoa. Já o espanhol Negrescolor escreve uma fábula sobre a condição humana, ambientada numa cidade abandonada pelas pessoas e habitada apenas por animais, que são prósperos e solidários uns com os outros.
A cidade e os animais, de Joan Negrescolor
Uma encantadora fábula sobre uma cidade abandonada pelos humanos, onde os animais prosperam e compartilham histórias. Um convite para pensar sobre a natureza, a harmonia entre os humanos e os animais e a importância da leitura.

PARA VER: Nausicaä do Vale do Vento (1984), dirigido por Hayao Miyazaki
PARA LER: Vivendo no fim dos tempos, de Slavoj Žižek

Imagem: Divulgação.
Nausicaä do Vale do Vento se passa numa Terra devastada por guerras e agonizante, enquanto a humanidade tenta sobreviver em ruínas. A personagem que dá título ao longa é uma jovem princesa de um pequeno vale que tenta salvar a vida de seu povo e evitar uma nova guerra. Visões do Apocalipse não são novidade na obra do filósofo esloveno Žižek, mas em Vivendo no fim dos tempos ele mergulha profundamente no tema das narrativas escatológicas na era do capitalismo global. Nomeando os quatro cavaleiros — crise ecológica, revolução biogenética, desequilíbrios sistêmicos e divisões sociais —, ele investiga a situação presente, bem como movimentos de resistência, e aponta para possibilidades mais otimistas de futuro.
Vivendo no fim dos tempos, de Slavoj Žižek
Não deveria haver mais nenhuma dúvida: o capitalismo global está se aproximando rapidamente da sua crise final. Slavoj Žižek identifica neste livro os quatro cavaleiros deste apocalipse: a crise ecológica, as consequências da revolução biogenética, os desequilíbrios do próprio sistema (problemas de propriedade intelectual, a luta vindoura por matérias-primas, comida e água) e o crescimento explosivo de divisões e exclusões sociais. E pergunta: se o fim do capitalismo parece para muitos o fim do mundo, como é possível para a sociedade ocidental enfrentar o fim dos tempos?
PARA VER: Túmulo dos vagalumes (1988), dirigido por Isao Takahata
PARA LER: A política externa norte-americana e seus teóricos, de Perry Anderson

Imagem: Divulgação.
Um dos filmes mais tristes do Ghibli, Túmulo dos vagalumes aborda a vida no Japão durante a Segunda Guerra. Os dois irmãos, Seita e Setsuko, ficam órfãos de mãe, e precisam se mudar para a casa de uma tia, quando pai é convocado pelo exército. Depois de se desentenderem com ela, encontram uma casa abandonada numa floresta, onde se instalam. Ao falar das dificuldades e destruição da Segunda Guerra no Japão, é inevitável que o longa aborde, mesmo que nas entrelinhas, o imperialismo americano que se consolidou no pós-Guerra, apesar da Guerra Fria. Este é tema do livro de Perry Anderson, que aborda a política externa estadunideneses desde meados do século passado até o presente da suposta globalização.
A política externa norte-americana e seus teóricos, de Perry Anderson
Neste livro, sobre geopolítica e relações internacionais, o historiador inglês Perry Anderson reconstitui os principais acontecimentos e inflexões da política externa dos EUA desde o fim da Segunda Guerra até os dias atuais, fazendo uma análise crítica desse período e de como foram tecidas as bases ideológicas, políticas, militares e institucionais em que se sustenta, atualmente, o poder imperial do país. A política externa norte-americana e seus teóricos é uma obra sucinta, que se inscreve dentro da literatura crítica do imperialismo, mas não repete os seus argumentos clássicos.
***
Alysson Oliveira é jornalista e crítico de cinema no site Cineweb, membro da ABRACCINE – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, e escreve sobre livros na revista Carta Capital. Tem Mestrado e Doutorado em Letras, pela FFLCH-USP, nos quais estudou Cormac McCarthy e Ursula K. LeGuin, respectivamente. Realiza pesquisa de pós-doutorado, na mesma instituição, sobre a relação entre a literatura contemporânea dos EUA e o neoliberalismo, em autores como Don DeLillo, Rachel Kushner e Ben Lerner.
Deixe um comentário