“Esta é a madrugada que eu esperava”: conteúdos imperdíveis sobre a Revolução dos Cravos

Foto: Wikimedia Commons.

Há exatos 51 anos, em Portugal, a Revolução dos Cravos derrotava a ditadura salazarista, dando início à implantação de um regime democrático no país. A poeta socialista portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen sintetizou em versos o “25 de abril”:

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo

Para refletir sobre a data, reunimos abaixo uma seleção de conteúdos que abordam o tema em perspectivas variadas. De memórias pessoais à análise da formação da classe trabalhadora portuguesa — e seus instrumentos de luta — durante os anos de ditadura, passando pela reconstituição desse acontecimento histórico e, é claro, suas reverberações no presente, confira nossas indicações de leitura e vídeo.


“O fascismo de Salazar, o 25 de abril de 1974 e Ary dos Santos”, de José Paulo Netto, na Margem Esquerda #42

“Com efeito, a ditadura fascista de Salazar não se apoiou, como a de Mussolini, em amplas mobilizações de massas, nem explorou, ativa e abertamente, o belicismo e o racismo, como a de Hitler; por outro lado, desde sua emergência, não dispôs de nenhum respaldo entre o proletariado urbano organizado. Sobretudo, ela não resultou da maturação do capitalismo monopolista português: em Portugal, a concentração e a centralização capitalistas não precedem a instauração do regime de Salazar nem são a ele simultâneas — esse regime, à diferença dos fascismos italiano e alemão, foi a condição política para o processo de centralização e concentração capitalistas (induzido pela ditadura de Salazar por meio de vários mecanismos, um dos quais a legislação referente ao “condicionamento industrial”, de 1937, modificada ainda mais favoravelmente aos monopólios em 1945 e em 1972). Para dizê-lo de modo sumário: em terras portuguesas, a função econômica primordial da ditadura fascista foi a de operar comoindutora da concentração e da centralização do capital.”


As intersecções entre marxismo e ecologia estão no centro da Margem Esquerda #42. Abrindo o volume, John Bellamy Foster repassa sua trajetória intelectual e política e reflete sobre os desafios do presente em conversa com Michael Löwy, Maria Orlanda Pinassi e Fabio Mascaro Querido. Um dos mais importantes intelectuais marxistas em atividade, em especial por suas intervenções no debate ecológico, Foster avançou como poucos numa compreensão da obra de Marx que não apenas a coloca em diálogo com as abordagens ecológicas mais recentes, como também visualiza as chaves para uma explicação materialista da atual crise ecológica. O dossiê “Marxismo, capitalismo e ecologia”, esquadrinha o problema em quatro ensaios afiados que buscam articular a teoria e prática do ecossocialismo diante de um cenário cada vez mais urgente de crise climática e civilizatória. Organizado por Fabio Mascaro Querido, o dossiê conta com ensaios de Michael Löwy, Luiz Marques, Ana Paula Salviatti, Arlindo Rodrigues e Allan da Silva Coelho.

Abrindo a seção Artigos, o filósofo esloveno Slavoj Žižek acompanha o tema do dossiê e aborda a obra pioneira do japonês Kohei Saito sobre decrescimento ecossocialista. Luiz Eduardo Soares apresenta uma reflexão de fôlego sobre as estruturas elementares da violência no Rio de Janeiro como paradigma para compreender a onda neofascista que ainda assola o país. “O bolsonarismo”, insiste Soares, “é a superestrutura do modelo degradado e degradante de negócios e de domínio político que o Brasil contemporâneo herdou de sua história brutal e genocida.” O tema é rigorosamente contíguo com o artigo do cientista político Antonio Carlos Mazzeo, que desnuda o autoritarismo suicida da burguesia brasileira em uma análise do legado do golpe de 1964, que completa em abril sessenta anos. O leitor talvez encontre uma nota mais esperançosa na prosa de José Paulo Netto, que presta aqui seu tributo aos cinquenta anos da Revolução dos Cravos com um ensaio sobre a resistência dos escritores e poetas portugueses (em especial Ary dos Santos) ao fascismo salazarista. Fechamos a seção com uma dobradinha de artigos de Maurilio Botelho e Ernst Lohoff, que fazem uma leitura original e alarmante da atual fragmentação monetária global e o futuro da inflação.

A edição presta homenagem a duas figuras da esquerda mundial que nos deixaram: o filósofo italiano Antonio Negri e o diplomata e economista brasileiro Samuel Pinheiro Guimarães. Do primeiro, publicamos uma tradução inédita de um de seus últimos textos: um prefácio a O Estado e a revolução, de Vladimir Lênin. Sobre o segundo, apresentamos um comovente comentário escrito pelo professor de relações internacionais e conselheiro da revista, Luiz Felipe Osório.

Os cliques que atravessam as páginas deste número são de Miguel Chikaoka, cronista visual da Amazônia. Selecionadas e comentadas por Francisco Klinger Carvalho, editor de arte da revista, as imagens do fotógrafo paulista radicado no Pará oferecem um “vislumbre pungente das vidas banais e cotidianas daquela gente das tribos ou comunidades, das ricas tradições e das lutas aguerridas, ainda prementes entre os viventes de um lugar que aglutina tantas questões importantes relacionadas à preservação do planeta.” Fechando a edição, nosso editor de poesia Flávio Wolf de Aguiar traduz os singelos e violentos versos do poeta palestino Zakaria Mohammed, falecido no semestre passado.


Valerio Arcary, autor de Ninguém disse que seria fácil, fala sobre o cinquentenário da Revolução dos Cravos.


Reinventando o atraso“, por Ruy Braga e Elísio Estanque
Uma análise de como o regime salazarista (e a oposição à ditadura) contribuiu para a constituição do proletariado português.

Após um período de intensas lutas sociais seguidas à queda da monarquia, em 1910, Portugal foi marcado, durante o século XX, pela dolorosa experiência de uma longa ditadura. Apoiados num Estado corporativo fortemente repressivo e que contou com a ajuda de uma igreja ressentida com as expropriações promovidas pela república, os impulsos de modernidade e de industrialização que o país viveu tiveram sempre por detrás a tutela protecionista do regime autoritário. O processo de formação e recomposição das classes sociais e, em especial, a emergência do operariado industrial e semi-urbano da região de Lisboa-Setúbal constituem um fenômeno no qual se enlaçam não apenas a trajetória e o destino históricos de Portugal nos últimos cem anos, como também as antinomias presentes de todo um subcontinente em crise.


A Revolução dos Cravos segundo José Cardoso Pires“, por Flávio Aguiar
Relato de um encontro cheio de memória histórica

“Em 1975 o governo português — formado logo depois do 25 de abril de 1974 — enviou uma missão de escritores do país às universidades e outras instituições afins brasileiras para explicar o movimento. Então eu era um jovem professor de Literatura Brasileira da Universidade de S. Paulo. […] Por apresentação de amigos comuns, marquei um encontro com o escritor José Cardoso Pires num bar do centro da cidade. Passamos uma tarde memorável juntos, tomando conhaque, quando ele me contou a sua participação nos acontecimentos do 25 de abril.


25 de abril: 50 anos da Revolução dos Cravos“, por Valerio Arcary
Para conhecer os eventos revolucionários e seus antecedentes

“Toda revolução tem o seu pitoresco. Nunca saberemos ao certo da veracidade maior ou menor dos pequenos episódios. Ma si non é vero, é bene trovato. Nas primeiras horas da manhã, quando uma coluna de carros militares descia a Avenida da Liberdade em direção ao Terreiro do Paço, respeitando o semáforo, as floristas do Parque Mayer lhes perguntam o que estava acontecendo, e os soldados respondem que vieram derrubar a ditadura. Elas, mulheres do povo mais sofrido, na sua alegria, de tão felizes lhes oferecem cravos vermelhos e assim, sem o saber, batizaram a revolução com o nome de uma flor.


A ascensão da extrema direita no 50º aniversário da Revolução dos Cravos: a morte da esquerda portuguesa?“, por Marcela Magalhães
Reflexão sobre a memória da luta revolucionária no cenário político português atual

“A memória é uma salvaguarda contra a tentativa das classes dominantes de reescrever a história em seu favor, apagando as lutas e resistências dos oprimidos. É verdade, parafraseando Walter Benjamin, que, ao preservar as memórias das lutas passadas, constrói-se um contraponto essencial às narrativas históricas dominantes que legitimam o status quo. No entanto, é curioso observar que, apesar da frequente menção nos meios de comunicação portugueses, a memória dos avanços sociais conquistados pela Revolução dos Cravos não parece ser suficientemente forte para inspirar e mobilizar a nova geração de jovens em Portugal.


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