Pseudo-radicalismo e má fé

“Bewegtes Kreisbild”, SophieTaeuber-Arp (1935). Imagem: Wikimedia Commons
Por Luis Felipe Miguel
Eu tenho pouco a falar sobre o artigo de Douglas Barros criticando o que escrevi sobre MC Poze do Rodo (publicado em meu Substack). São quase 3 mil palavras, bem mais do que meu texto original, que se resumem a má fé na leitura e desonestidade intelectual. Não posso dizer que me espanta, vindo de quem vem, mas sempre é triste de ver. Por isso, o que apresento aqui não é uma resposta, é um lamento.
Boa parte de sua retórica se dirige a me acusar de ignorar o fato de que a prisão do funkeiro foi tingida de racismo. Truque fácil para ganhar a simpatia do seu público. Na verdade, a crítica à espetacularização da prisão e ao racismo envolvido está presente em todo o meu texto. O que eu digo é que não é possível reduzir todo o episódio a racismo e, com isso, deslizar para a solidariedade com o crime organizado, como infelizmente ocorreu com setores da esquerda.
E que é o que faz Barros, reproduzindo o script de certa esquerda bem pensante, que distribui sobre as classes populares sua condescendência paternalista. É fácil, de uma posição de elite bem protegida, minimizar o efeito das facções criminosas na vida dos moradores das favelas. Com o maniqueísmo típico, que atribui, a quem deplora o império do crime organizado, o apoio à repressão seletiva do Estado.
Assim como é fácil, na postura de quem está despreocupado com a eficácia da ação política, já que ocupado apenas com a construção da imagem de “pensador radical” para consumo da imprensa burguesa paulistana, relevar o grave erro que é aparecer em público construindo pontes com o tráfico.
O bonito radicalismo de quem, sabendo que não será alvo nem de polícia nem de milícias, despreza como “legalismo” a preocupação com a vigência da lei — que, sendo, como é, o código da violência pública do Estado, é um espaço central da disputa política.
Infelizmente, muito do que parece ser o debate público entre setores “progressistas” ou mesmo de esquerda no Brasil transformou-se em um ringue narcísico. Pensar a complexidade, escapar do maniqueísmo barato, evitar o pseudo-radicalismo paralisante, nada disso rende os ganhos simbólicos imediatos que se esperam.
Não vou me alongar porque o caso é simples e porque abandonei Facebook e Instagram, aquelas redes nas quais meu acusador investe tanto de sua energia, exatamente para me poupar de tretas inúteis. Quem quiser conhecer minha posição, sugiro que leia meu texto. E fico por aqui.
Quais e quantas combinações são possíveis entre o marxismo e a ciência política? Em Marxismo e política: modos de usar, o cientista político Luis Felipe Miguel debate a relevância do marxismo para a análise da política. A obra busca introduzir e enfatizar a utilidade desse marco teórico para a produção de uma ciência política capaz de entender o mundo social e orientar a ação nele.
Ao longo dos nove capítulos, o autor cruza diferentes temas da tradição marxista com o campo da ciência política, como as classes sociais, o Estado, o gênero, alienação e fetichismo e muitos outros. Em contrapartida, demonstra a importância de uma abertura do próprio marxismo ao diálogo com a produção contemporânea da ciência política. Com isso, ao mesmo tempo evita o dogmatismo e abre caminhos para a pesquisa em ambos os territórios dos quais se propõe a tratar.
Marxismo e política: modos de usar, de Luis Felipe Miguel, tem apresentação de Andréia Galvão, orelha de Leda Paulani e capa de Daniel Justi.
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Luis Felipe Miguel é doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), professor titular livre do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Autor, entre outros livros, de Democracia e representação: territórios em disputa (Editora Unesp, 2014), Dominação e resistência: desafios para uma política emancipatória (Boitempo, 2018), O colapso da democracia no Brasil (Expressão Popular, 2019) e Marxismo e política: modos de usar (Boitempo, 2024). Também é coautor, junto com Flávia Biroli, de Feminismo e política: uma introdução (Boitempo, 2014). Colaborou com o livro de intervenção O ódio como política: a reinvenção das direitas no Brasil (Boitempo, 2018).
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