Esquisitices norte-americanas
"Se, como dito, a carta tem forma e conteúdo muito bem encaixados, com mistura precisa de prepotência inflada e banalidade, violência e fanfarronice, faltaria entender o que foi alterado no funcionamento da sociedade norte-americana para que ela pudesse ser bem representada por um documento tão esquisito como esse. Ou, em uma segunda hipótese, que país (esquisito?) é esse que vai se revelando conforme o cobertor ideológico liberal se torna cada vez mais curto para encobrir uma sociedade convulsionada."

Imagem: Ricardo Stuckert / Presidência da República (via Agência Brasil)
Por Tiago Ferro
“Trata-se, pois, de uma experiência, mas de uma experiência que vai mudar a face da terra.”
— Simão Bacamarte
A carta de Donald Trump ameaçando o Brasil com tarifas exorbitantes já está sendo debatida por todo tipo de especialista, e seu desdobramento acompanhado de perto pela imprensa. Não sou a pessoa certa para tratar de relações internacionais ou comércio, com suas regras e lógica próprias, mas pensar o estilo do texto do documento a partir de caminho aberto por certa tradição crítica brasileira pode interessar.
Não é comum termos acesso em tempo real a documentos sensíveis trocados entre presidentes de Estados-nação. Daí o susto com a carta enviada no dia 9 de julho ao presidente Lula circulando livremente pelas redes. O que também espanta é não apenas o conteúdo com lógica abstrusa, mas sua forma — diga-se de passagem, ambos muito bem encaixados. O primeiro parágrafo lembra as melhores sátiras de discursos de velhos líderes autoritários latino-americanos, com seu ar de miséria grandiloquente, ao conjugar sonhos de grandeza e estreiteza de horizonte. (Não seria esse afinal o clima familiar que reconhecemos no movimento MAGA?)
“Eu conheci e lidei com o ex-presidente Jair Bolsonaro e o respeitei muito, assim como a maioria dos outros líderes de países. A maneira como o Brasil tratou o ex-presidente Bolsonaro, um líder altamente respeitado em todo o mundo durante seu mandato, inclusive pelos Estados Unidos, é uma vergonha internacional. Esse julgamento não deveria estar ocorrendo. É uma caça às bruxas que deve terminar IMEDIATAMENTE!”
A repetição da respeitabilidade internacional altamente duvidosa de Bolsonaro, o tom pessoal e íntimo (em vez do esperado protocolar e distante) e a interferência aberta e pública em assunto doméstico tão específico de país estrangeiro trai qualquer seriedade do documento, extrapolando inclusive a diplomacia daquele país com o bloco sul-americano no contexto da Guerra Fria. No entanto, trata-se de uma ameaça direta feita pelo presidente do país com o maior arsenal nuclear do planeta e que recentemente bombardeou o Irã sem aval do Congresso norte-americano. Daí sua ambígua seriedade.
Tanto quando o velho Simão Bacamarte testava os limites da ciência na novela O alienista, de Machado de Assis, Trump parece estar sempre testando os limites da política (nacional e internacional). Ao tomar medidas abertamente inconstitucionais (como cancelar a cidadania de filhos de estrangeiros nascidos no território do país, para ficar no exemplo mais explícito), coloca à prova o poder judiciário dos Estados Unidos e o equilíbrio entre os poderes, e também os limites da política com sua lógica e funcionamento próprios; ao utilizar tarifas comerciais como forma de negociar os mais diferentes assuntos com países aliados (quem seriam eles hoje além de Israel?) e inimigos (todos menos Israel?), parece se mover ao sabor do capricho e da vaidade, avançando mas também abandonando propostas conforme o humor. Capricho, ideias fixas e desejo de notoriedade são especialidades da chamada segunda fase da obra machadiana (na qual o autor assumiu, para expor, o ponto de vista das elites) — o emplastro Brás Cubas; o humanitismo de Quincas Borba; a réplica da casa de infância de Bento Santiago; as brigas sem fim, e sem motivo aparente, entre Pedro e Paulo em Esaú e Jacó etc. — aqui, no entanto, o capricho encobre método, e também uma sociedade regida por regra diversa da de seus modelos.
Seguindo com a carta, após o parágrafo de abertura, a lógica perde o pé de vez. O castigo aplicado ao Brasil será de 50% sobre todos os itens brasileiros exportados aos Estados Unidos. Mas eis que desaparece o ex-presidente Bolsonaro da abertura, e o motivo passa a ser os ataques do Brasil às liberdades… de brasileiros e de norte-americanos! Segundo Trump, o Brasil atenta contra eleições livres (ao tornar Bolsonaro inelegível?) e os “direitos fundamentais de liberdade de expressão dos americanos”, ao multar plataformas e cancelar contas em redes sociais por ordem do Supremo (evidentemente há também algo de Itaguaí no apetite de Alexandre de Moraes).
Como sabemos desde o ensaio “As ideias fora do lugar”, de Roberto Schwarz, a livre manipulação das ideias cumpria preservar interesses da elite escravocrata. Assim, em meio a essa barafunda de argumentos e ideias contraditórias, estão os interesses das empresas de ponta do Vale do Silício (principais apoiadoras do governo de Obama e do segundo mandato de Trump), que têm sido questionadas em sua atuação (fora da lei, mas camuflada pela ideologia empresarial da disrupção) não apenas nas periferias, mas em tribunais da comunidade europeia. E como nos ensinou o humanitismo de Quincas Borba, não é que o vencedor leva as batatas, mas sim que o dono das batatas é sempre o vencedor, e pouco importa como as tenha obtido. Resta mantê-las (nem sempre é possível, como atesta Rubião).
O terceiro parágrafo aparece deslocado do início da carta ao recorrer a uma lógica aparentemente coerente e tom ameno — o que se propõe é uma relação comercial justa, algo que, segundo o presidente norte-americano, não ocorre entre o país que ele governa e o Brasil. Após essa aparente trégua, surge no quarto parágrafo o termo real da negociação, porém ainda mais estapafúrdio que os anteriores:
“[…] Como é de seu conhecimento, não haverá nenhuma tarifa se o Brasil ou empresas de seu país decidirem construir ou fabricar produtos nos Estados Unidos e, na verdade, faremos todo o possível para obter aprovações de forma rápida, profissional e rotineira – em outras palavras, em questão de semanas.”
Tudo portanto voltaria ao normal se as indústrias brasileiras transferissem suas plantas para aquele país. E aqui voltamos ao MAGA com suas promessas amalucadas de atrasar o relógio para a segunda revolução industrial, quando a classe trabalhadora norte-americana do pós-Segunda Guerra desfrutou de confortos impensáveis para o grupo de pessoas então chamado de proletariado. A cena é em si absurda (e de Machado teríamos que apelar para o realismo mágico latino-americano, que ainda aguarda melhor compreensão de sua parte de realismo), basta lembrar a dificuldade, ou impossibilidade de algo assim, mesmo que em pequena escala, como visto no filme American Factory, de 2020.
No fim do documento, em tom protocolar, o fechamento caso o governo brasileiro decida cooperar (e já não sabemos se cooperar é anistiar Bolsonaro, alterar tarifas, deixar sem restrição a atuação das Big Techs ou transferir o gado da JBS e as jazidas da Vale para o Texas): “Você nunca ficará desapontado com os Estados Unidos da América” — lida da América Latina, a frase explode carregada de “ironia objetiva”. Em seguida, a assinatura do presidente Trump ocupando boa parte da folha e feita com caneta marcador preta — com feitio arrogante e infantil.


Imagem: Divulgação
Se, como dito, a carta tem forma e conteúdo muito bem encaixados, com mistura precisa de prepotência inflada e banalidade, violência e fanfarronice, faltaria entender o que foi alterado no funcionamento da sociedade norte-americana para que ela pudesse ser bem representada por um documento tão esquisito como esse. Ou, em uma segunda hipótese, que país (esquisito?) é esse que vai se revelando conforme o cobertor ideológico liberal se torna cada vez mais curto para encobrir uma sociedade convulsionada.
Não há resposta fácil e a especificação histórica leva tempo… Mas um caminho prudente é tapar os ouvidos para o canto da sereia de ideólogos liberais, como a dupla Steven Levitsky e Daniel Ziblatt do best-seller Como as democracias morrem, que insistem em afirmar o caráter anômalo da eleição de Trump (houve uma janela, já fechada, logo após a segunda eleição de Trump quando se procurou compreender a mudança estrutural no país com o intuito de orientar o Partido Democrata), para assim tentar salvar o que já naufragou há pelo menos 25 anos, a saber, a democracia liberal dos Estados Unidos.
Sua derrocada não começa com Trump (talvez termine), e a lista que lhe serve de roteiro é longa — alguns exemplos: uma série de arbitrariedades e avanços sobre direitos civis passaram a ser legalmente aceitos desde a assinatura dos Patriot Acts na esteira do 11 de Setembro; a invasão do Iraque sob motivos fajutos inaugurou uma nova e mais cínica estratégia de acumulação capitalista (disaster capitalism, nos termos de Naomi Klein); e a dupla de democratas Clinton e Obama (os únicos com credenciais morais para largar a ex-classe trabalhadora pelo caminho), ao aprofundarem as reformas neoliberais (progressistas) internamente, entregaram um país fraturado por problemas típicos da periferia.
Em momentos de insegurança extrema e frouxidão do pacto liberal, surge o homem forte como solução, que neste quadrante histórico é forte apenas como encenação — o empresário falido que se torna empresário de sucesso em O Aprendiz. A oposição saiu às ruas do país em 14 de junho de 2025 protestando contra o governo Trump com o slogan “No Kings!” — o que não deixa de ter seu ar de chanchada brasileira, um tom acima da fina ironia machadiana, mas que toca em ponto sensível.
Protesto de 14 de junho em Dallas, EUA. Foto: Brendenmrogers (Wikimedia Commons)
Curtis Yarvin, ideólogo sinistro dos interesses do já mencionado Vale do Silício, sugere uma monarquia como solução para os problemas políticos do país. Na visão de Curtis, um CEO seria o modelo para esse novo imperador (há duzentos e poucos anos foi um general…). Assim, o mando substituiria a abstração da lei, e o Estado-nação daria lugar à cidadela murada da grande empresa, velhos conhecidos da cordialidade brasileira colonial. O CEO da empresa se enxerga então no espelho como senhor de escravos do século XIX periférico — forma grotesca mas ao mesmo tempo pura do espírito burguês —, lucro pelo lucro, cada um por si (alguns ajudados pelo Estado, evidentemente), dinheiro acima de tudo e de todos e que se dane essa coisa de sociedade, que insiste em querer se organizar.
Em certo ponto, no entanto, a população de Itaguaí se revolta com as arbitrariedades que Simão Bacamarte realiza em nome da ciência. A reação à carta de Trump no palco político brasileiro, entre nacionalistas inflamados e entreguistas de plantão (ambos acusando o outro lado de traidores da pátria), não deixa de compor essa sátira política contemporânea, em que uns e outros surgem irrelevantes, aparentemente calculando o próprio futuro político enquanto encenam emergência nacional — algum tipo de ajuste para manter os interesses dos poderosos intocados sempre está no ar e provavelmente ocorre nos bastidores enquanto a população se entretém como num reality show — com direito a queimar Trump em efígie na avenida Paulista para alimentar o apetite das onipresentes redes californianas; simulacro de engajamento.
Lembrando que na segunda viravolta de O alienista, Bacamarte volta ao cargo pregando doutrina invertida: “admitir como normal e exemplar o desequilíbrio das faculdades”, ressoando o famoso discurso de Eusébio Queiroz, que sugeria que se todos se beneficiavam da escravidão (menos os escravizados, claro), então crime não podia ser. Ou seja, um grande acordo dos “ricos entre si”, já sem alma dividida como no conto “Caso da vara”.
De uma realidade regida por lógica (interessada) mas fora do compasso da própria lógica, surge a melhor literatura realista de Machado de Assis, como aprendemos com Roberto Schwarz. Surge também o que uns e outros, com prejuízo para o entendimento global da situação, consideram a loucura de um único homem, Donald Trump. Bacamarte prometia mudar a face da terra e terminou internado por ordem dele mesmo no asilo para loucos. Não sabemos o destino de Trump. Mas não é nada difícil que a face da terra esteja de fato sofrendo mudança radical. Resta saber se espelhando os Estados Unidos sob Trump (que reencontra a brasilianização, desta vez abertamente colonial-escravocrata) ou em reação a ele.
Nota: O título deste ensaio faz referência a uma opção de título cogitada por Roberto Schwarz — “Esquisitices brasileiras” — para o ensaio que seria publicado por fim no Brasil como “As ideias fora do lugar”.
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Tiago Ferro é escritor, crítico e editor. Autor dos romances O pai da menina morta (vencedor do Prêmio Jabuti 2019) e O seu terrível abraço (2023). Tem doutorado em história social pela USP, com tese sobre a obra de Roberto Schwarz. Colabora regularmente com textos sobre cultura e sociedade para a Folha de S.Paulo e a revista Piauí. Pala Boitempo, publicou Prisão perpétua: e outros escritos (2025).
PARA SE APROFUNDAR NO TEMA
Prisão perpétua: e outros escritos, de Tiago Ferro
Entre 2016 e 2024, período de turbulência política, social e econômica não só no Brasil, mas no mundo todo, Tiago Ferro escreveu uma série de textos que perpassam o horror e a distopia contemporânea. Prisão perpétua traz ao leitor 27 escritos que vão de ensaios e intervenções a resenhas e experimentações ficcionais.
“Sem requentar dramas existenciais de um século atrás, mas em um clima que não deixa de ser nauseabundo, estamos diante de uma prosa perspicaz que faz um interessante movimento de báscula entre resignação e inconformismo, vindo de uma voz que é ora de um crítico, ora de um narrador – no qual nunca sabemos ao certo se podemos confiar.”
— Felipe Catalani
“Não surpreendem o som e a fúria da prosa de ensaio reunida nesta Prisão perpétua. Transitando aos trancos e relâmpagos entre o diário de bordo e a montagem, juízos finais e paráfrases, alguma crítica literária e cultural comprimida entre imprecações bíblicas dirigidas à conjuntura de fim de linha em que passamos a viver. Numa palavra, um belo pandemônio.”
— Paulo Arantes, autor de O novo tempo do mundo
O texto que dá título ao livro é uma reflexão sobre sua chegada a Princeton, Estados Unidos, cidade onde o autor passou um ano com sua família por conta de uma bolsa de estudos. A experiência do olhar estrangeiro e periférico perpassa outras passagens da obra. O alcance e o fortalecimento da extrema direita no Brasil e no mundo, a precariedade da vida e do trabalho e o aprofundamento da economia neoliberal são também assuntos recorrentes.
Os livros, a música e outras manifestações culturais marcam parte da obra. Ferro passa pela produção de nomes como Chico Buarque, Bob Dylan, Fernando Pessoa, Roberto Schwarz e Judith Butler e os relaciona a temas contemporâneos.
“Estamos diante de uma forma curiosamente outra, que faz da atomização característica de nosso tempo um método de aproximação com a realidade, emprestando elementos da reflexão subjetiva à reflexão objetiva, nem sempre nessa ordem. Dessa outra forma surgem o risco e o desnível de impressões que funcionam como força ordenadora de textos mais longos, como também explodem pequenos fragmentos herméticos, capazes de exigir do leitor tanto a referência teórica quanto a vivida, para o complemento dos recortes”, escreve Nathalia Colli no posfácio.


Margem Esquerda #44 | Evangelho
Nos últimos anos, o tema da religião tem comparecido cada vez mais nos discursos de esquerda, seja como enigma, lamentação ou bode expiatório — ou, ainda, pelas suas afinidades eletivas com os traços apocalípticos da conjuntura global. Partindo do mote durkheimiano de que “a religião é coisa eminentemente social”, o dossiê de capa desta Margem Esquerda investiga o fenômeno religioso e sua relação com a política no Brasil para além dos chavões e lugares comuns condescendentes. A entrevistada da edição é a cientista social Maria Lygia Quartim de Moraes, figura importante do marxismo feminista brasileiro. Em seu tom caracteristicamente ácido e bem humorado, ela repassa sua intensa trajetória política e intelectual e não mede palavras para comentar os impasses e desafios da esquerda no Brasil. A edição ainda traz artigos de fôlego sobre Malcolm X, Clóvis Moura, Fredric Jameson, Paulo Arantes e Antonio Candido, além de um erudito roteiro de estudos sobre Luís de Camões elaborado por ninguém menos que José Paulo Netto. Na seção de homenagens, prestamos tributo a Beatriz Sarlo, Michael Burawoy e Paula Vaz de Almeida. O artista convidado desta edição é Sérgio Romagnolo; a poesia é de Amiri Baraka.
Margem Esquerda #40 | Matéria brasileira
“A matéria nacional é nossa tarefa histórica.” Assim insiste nosso maior crítico literário marxista na entrevista que abre esta edição da Margem esquerda. Aos 84 anos, Roberto Schwarz é categórico: mesmo em um cenário de aguda desagregação social como o nosso – sepultados o desenvolvimentismo ingênuo e os sonhos de socialismo em um só país – a formação do Brasil segue sendo nosso problema fundamental, quase como uma “herança maldita”. Em conversa com Fabio Mascaro Querido, ele discute os rumos da tradição crítica brasileira na atualidade, e fala sobre aspectos pouco conhecidos de sua trajetória. O dossiê de capa aprofunda o mergulho nas contradições da “matéria brasileira” (para usar a expressão consagrada pelo crítico), em um conjunto de ensaios das novas gerações da teoria crítica. Reunido por Tiago Ferro, o quarteto investiga, retrabalha e testa alguns dos insights da obra schwarziana em confronto com a atualidade política do país.


Intérpretes do Brasil, de Haroldo Ceravolo Sereza, Antonio Carlos Mazzeo, Flávio Aguiar, Marcelo Ridenti, Marcos Del Roio, João Quartim de Moraes, Angélica Lovatto, Guillermo Almeyra, Ricardo Bielschowsky, Paulo Ribeiro Da Cunha e Milton Pinheiro
Panorama amplo do pensamento crítico brasileiro dos séculos XX e XXI. Com 27 ensaios de reconhecidos especialistas, Os autores escolhidos compõem um amplo e rico panorama dos pensamentos social e historiográfico nacional da década de 1920 até o começo dos anos 1990, alguns dos quais muito pouco discutidos em outras obras do gênero. A seleção traz alguns pensadores já clássicos, mas em abordagens inovadoras, como Antonio Candido, Caio Prado Júnior, Celso Furtado, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda, além de figuras muitas vezes esquecidas, proporcionando uma análise inovadora e abrangente da história e cultura no Brasil.
Moderno de nascença: figurações críticas do Brasil, organizado por Benjamin Abdala Jr. e Salete de Almeida Cara
Reunião de ensaios que desvendam a formação do ideário nacional. Da simbologia jesuíta ao panorama contemporâneo, os autores revelam as nuances da relação entre escrita e construção da identidade, questionando ilusões nacionalistas e expondo a complexidade cultural do Brasil. Benjamin Abdala Jr. escreve sobre o clássico Formação da literatura brasileira: momentos decisivos, de Antonio Candido, e a influência do contexto de reafirmação do Brasil como nação na época em que a obra foi produzida. O livro traz ainda um texto inédito de Candido, recém-descoberto no arquivo de Oswald de Andrade, sobre o antopofagismo filosófico.
Lugar periférico, ideias modernas: aos intelectuais paulistas as batatas (1958-2000), do sociólogo Fabio Mascaro Querido, é uma análise sobre os intelectuais ligados à Universidade de São Paulo dos anos 1960 à década de 1990. Resultado da tese de livre-docência do autor, defendida em dezembro de 2022 na Unicamp, a obra revela como a vertente “marxista acadêmica” exerceu significativa influência nos debates sobre a abertura democrática dos anos 1980 e na vida política brasileira nas décadas seguintes.
O livro examina como alguns personagens representaram simultaneamente o auge e o declínio do pensamento sobre a modernidade no país. Durante os anos 1970, em plena ditadura civil-militar, surgiram análises sofisticadas sobre as particularidades da sociedade brasileira, desafiando o desenvolvimentismo até então hegemônico na esquerda. No entanto, na década seguinte, com raras exceções, como a de Roberto Schwarz, observou-se um distanciamento dessas ideias por parte dos acadêmicos e uma aproximação destes com formulações universalistas, quer seja a visão de mundo neoliberal, que encontrará expressão no PSDB, ou a perspectiva classista, elaborada a partir da experiência do PT. O autor demonstra, assim, como a corrente intelectual da época moldou o pensamento sobre a democracia brasileira após a ditadura, bem como as mudanças e as divisões que ocorreram. Analisa esse importante capítulo da política, capaz de reinterpretar o passado e projetar futuros para o país.
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