Guia de leitura | Esboço para uma crítica da economia política | ADC#12

Para comemorar um ano do Armas da crítica, a caixa de outubro traz um autor imprescindível à elaboração de ideias que transformam o mundo: Friedrich Engels.
Em Esboço para uma crítica da economia política e outros textos de juventude, o leitor tem a oportunidade de acompanhar a formação do intelecto crítico de Engels e o surgimento dos principais temas e problemas que, adiante, comporão o núcleo do marxismo, bem como o papel pioneiro do autor, tanto em relação à política comunista moderna quanto à crítica da economia política.
Além do artigo que dá nome ao livro, considerado o embrião da crítica da economia política que seria desenvolvida mais tarde por Karl Marx e encontraria sua elaboração máxima em O capital, outros dez artigos compõem a obra. Selecionados por José Paulo Netto, oito deles são inéditos em português.
autor Friedrich Engels
tradução Nélio Schneider, com colaboração de Ronaldo Vielmi Fortes e José Paulo Netto
prefácio José Paulo Netto
orelha Felipe Cotrim
edição Pedro Davoglio
diagramação Antônio Kehl
capa Antônio Kehl com ilustração de Gilberto Maringoni
páginas 300


Quem foi Friedrich Engels?
Friedrich Engels nasceu em 28 de novembro de 1820, em Barmen, na atual Alemanha. Filho de um industrial do ramo têxtil, deixou os estudos para trabalhar na fábrica da família em Manchester, na Inglaterra, experiência fundamental para sua trajetória política e intelectual.
Conhecedor do capitalismo por dentro, Engels tornou-se um crítico da divisão de classes, da religião e da família. Revolucionário e teórico do socialismo, entre suas obras estão: A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, A origem da família, da propriedade privada e do Estado, Anti-Dühring e Dialética da natureza.
Na década de 1840, Engels conheceu o amigo e parceiro intelectual Karl Marx, com quem fundou o marxismo e escreveu o Manifesto comunista, um dos textos políticos mais influentes da humanidade, A ideologia alemã, A sagrada família e tantos outros. Morreu em 1895 em razão de um câncer.
Esboço para uma crítica da economia política e outros textos de juventude é o 28º livro da coleção Marx-Engels.
“Eu só devo a você que isso tenha sido possível”
KARL MARX A FRIEDRICH ENGELS,
após terminar de corrigir as provas do Volume I de O Capital, em agosto de 1867.


Independente, original e vanguardista
Muitos dos temas aos quais Engels se dedicou na maturidade intelectual e política estão presentes em seus escritos da década de 1840, tais como a Revolução Industrial, a exploração do trabalho e da natureza pelo capital, a filosofia alemã, a política operária e a militância comunista. Mas, certamente, se surpreenderá quem ainda o considera um coadjuvante da obra de Marx.
Além do caráter independente, original e, até mesmo, vanguardista de seus textos, o leitor poderá conhecer o papel fundamental de Engels na formulação de muitos dos pressupostos da história social e urbana, da crítica à economia política, das crises cíclicas do capitalismo, da revolução social e do comunismo.
Os escritos do jovem Engels podem ser lidos como exercícios literários em que ele desenvolveu e lapidou sua capacidade de observação e descrição da geografia e da natureza, das cidades e dos tipos sociais que as habitam, dos grandes debates filosóficos e dos desafios existenciais de seu tempo. Também são marcantes pela fluidez na escrita e pelo bom humor, além da ironia fina e cortante reservada a seus adversários filosóficos e políticos.
Felipe Cotrim
Mestre em História Econômica pelo Programa de Pós-Graduação em História Econômica da FFLCH-USP.
“A visão de Engels sobre a vida era estimulante e não acadêmica. Escolheu aprender com os fatos quando estes entravam em sua linha de visão. Era mais do seu gosto fazer amizade com outros homens e aprender com eles, encontrar conexões e começar a fazer associações que promovessem a causa sagrada que ele tinha em vista.”
GUSTAV MAYER
[FRIEDRICH ENGELS: UMA BIOGRAFIA, p. 63]


Chave para o futuro
Desde cedo, Engels despertou para uma determinada leitura do mundo e para as atrocidades de seu tempo. A literatura e a filosofia o conduziram, ainda jovem, à busca pelo entendimento dos conflitos de sua época – a fome, a miséria e a alienação a que trabalhadoras e trabalhadores eram submetidos.
Da indignação aliada ao fermento criativo surgiram textos sobre as raízes dos contrastes sociais que revelam um autor criterioso, convicto quanto ao lado de quem e com que armas lutar. Um sujeito que, negando os confortos de sua origem, postou-se ao lado da classe operária.
Submetido, como diz Brecht, às dificuldades de revelar a verdade em uma sociedade de ocultamentos, Friedrich Engels transcende sua época e nos oferece uma chave para o entendimento da história, com vistas à transformação social.
Roberta Traspadini
Doutora em Educação e professora pesquisadora da Universidade Federal da Integração Latino-americana (UNILA).
“A trajetória de Engels mostra-o, na juventude, trilhando caminhos que o seu companheiro só descobriria depois. Essa precocidade não é própria de um epígono – antecipa, como promessa, um grande pensador. E sabemos que há promessas falhadas. Não foi o caso de Friedrich Engels. Ele cumpriu-se como um grande pensador.“
JOSÉ PAULO NETTO


Engels & Marx
Engels era muito menos nervoso, muito mais estável que Marx; tinha uma disposição mais brilhante, menos contorcida e mais harmoniosa. Física e intelectualmente, era mais elástico e resiliente. Frequentemente censurava Marx por permitir que seu temperamento o “tragasse”, por nunca relaxar e nunca estar satisfeito consigo mesmo.
Ambos eram igualmente capazes de resistência, tenacidade e persistência, e ambos possuíam grande amor ao trabalho e uma capacidade inesgotável para ele. Ao longo de suas vidas, entregaram-se sincera e desinteressadamente à sua tarefa, perseguindo-a com devoção fanática e uma rejeição indômita da vaidade pessoal. O tom das cartas que trocaram é estimulante, rápido, livre e fácil: ele reflete a modéstia que em ambos se combinava com uma crueldade selvagem contra si mesmos e contra os outros.
Gustav Mayer em Friedrich Engels: uma biografia (p.62)
“No que diz respeito à igualdade de gênero, assim como às lutas anticoloniais, Engels nunca hesitou em defender a causa da emancipação.”
MARCELLO MUSTO


A centralidade da crítica da economia política
Friedrich Engels compreendeu, antes mesmo de Karl Marx, a centralidade da crítica da economia-política. Na verdade, quando os dois radicais começaram a se conhecer, Engels havia publicado muito mais artigos sobre este assunto do que seu amigo.
Os dois anos que passou na Inglaterra – para onde foi encaminhado aos 22 anos de idade –, foram decisivos para o amadurecimento de suas convicções políticas. Foi lá que ele observou pessoalmente os efeitos da exploração capitalista sobre o proletariado, da propriedade privada e da competição entre indivíduos. Ele fez contato com o movimento cartista e se apaixonou pela trabalhadora irlandesa, Mary Burns, que desempenhou um papel fundamental em seu desenvolvimento. Engels era um jornalista brilhante.
O artigo “Esboços de uma crítica à economia política”, publicado nos Anuários franco-alemães em 1844, despertou grande interesse em Marx, que na época decidira dedicar todas as suas energias ao mesmo assunto. Os dois iniciaram uma colaboração teórica e política que duraria o resto de suas vidas.
Marcello Musto
Doutor em filosofia e política pela Universidade de Nápoles e em filosofia pela Universidade de Nice. Professor da York University, no Canadá, e autor de O velho Marx.
“A economia política emergiu como consequência natural da expansão do comércio e, com ela, a trapaça simples e não científica foi substituída por um sistema especializado de fraudes permitidas, uma ciência acabada do enriquecimento. Essa economia política ou ciência do enriquecimento, que resultou da inveja recíproca e da ganância dos comerciantes, traz na testa a marca do mais repugnante egoísmo.”
FRIEDRICH ENGELS


Progresso pela metade
O século XVIII, o século da revolução, também revolucionou a economia; mas, como todas as revoluções desse século foram unilaterais e ficaram presas à oposição.
Os pressupostos permaneceram em toda a parte; o materialismo não atacou a humilhação e o desprezo cristãos do homem, apenas se limitou a opor ao homem, no lugar do deus cristão, a natureza como absoluto; a política não pensou em examinar os pressupostos do Estado em si e para si; a economia nem sequer chegou a pensar em questionar a legitimidade da propriedade privada.
É por isso que a nova economia foi apenas progresso pela metade; ela era obrigada a trair e negar seus próprios pressupostos, usar de sofisma e hipocrisia para encobrir as contradições em que se envolvia e chegar às conclusões a que foi impulsionada não por seus pressupostos, mas pelo espírito humano do século.
Assim, a economia assumiu um caráter filantrópico; negou seu favor aos produtores e entregou-o aos consumidores; agiu como se sentisse uma repulsa sagrada pelos horrores sangrentos do sistema mercantil e declarou o comércio um vínculo de amizade e unidade entre as nações, assim como entre os indivíduos.
“Cada um de nós trabalha para tirar vantagem para si, sem se preocupar com o bem-estar dos demais; no entanto, trata-se de uma verdade manifesta e óbvia que o interesse, o bem-estar, a felicidade da vida de cada indivíduo estão inseparavelmente ligados aos de seus semelhantes.“
FRIEDRICH ENGELS


A sociedade comunista
Devemos admitir a nós mesmos que nenhum de nós pode dispensar seus semelhantes, que o interesse já nos amarra uns aos outros, e, no entanto, afrontamos diretamente essa verdade com nossas ações, e, no entanto, organizamos nossa sociedade como se nossos interesses não fossem os mesmos, mas totalmente opostos. Vimos quais foram as consequências desse erro básico; se quisermos evitar as consequências mais graves, temos de reformar o erro básico e essa é justamente a intenção do comunismo.
Na sociedade comunista, na qual os interesses dos indivíduos não se contrapõem, mas estão reunidos, a concorrência é suprimida. Nesse caso, obviamente não se poderá mais falar da ruína das classes individuais, das classes em geral, como hoje em dia se fala de ricos e pobres. Do mesmo modo que são eliminados da produção e da distribuição dos bens necessários à vida o ganho privado, o propósito do indivíduo de enriquecer por conta própria, são eliminadas automaticamente as crises comerciais. Na sociedade comunista, será fácil conhecer tanto a produção quanto o consumo.
“A grande indústria, criando um mercado mundial, vinculou tão estreitamente os povos do globo, especialmente os mais civilizados, que o que acontece com um repercute sobre o outro. Consequentemente,
a revolução comunista não será uma revolução puramente nacional: produzir-se-á simultaneamente em todos os países civilizados. Trata-se de uma revolução universal e, por isso, terá um âmbito também universal.”
FRIEDRICH ENGELS


O fim da propriedade privada
Retirando aos capitalistas a utilização das forças produtivas e dos meios de distribuição, a sociedade os administrará segundo um plano baseado na disponibilidade dos recursos e nas necessidades sociais gerais. Assim, o mais importante é que desapareçam os resultados maléficos do atual sistema da grande indústria. As crises serão eliminadas; a produção ampliada, que é atualmente a superprodução causadora da miséria, será então insuficiente e deverá ser largamente expandida.
Ao invés de engendrar a penúria, a superprodução ultrapassará as exigências elementares da sociedade para assegurar a satisfação das necessidades de todos; criará novas necessidades e, ao mesmo tempo, os meios de as satisfazer. Constituirá a condição e a causa do novo progresso, sem realizá-lo, como até agora, a preço de catástrofes periódicas.
Ademais, tornar-se-á supérflua a divisão da sociedade em classes distintas e antagônicas – divisão que, aliás, será incompatível com o novo sistema social. A existência das classes funda-se na divisão do trabalho e esta, sob sua forma atual, perecerá.
“Depois que a economia liberal fez o possível para generalizar a hostilidade, dissolvendo nacionalidades, a humanidade se transformou em uma horda de animais furiosos – não é isso que são os concorrentes? – que se devoram exatamente porque cada um tem o mesmo interesse que os outros.”
FRIEDRICH ENGELS


A bela França
La belle France! [A bela França!] Os franceses de fato têm um belo país e todo o direito de sentir orgulho dele. Que país da Europa pode se comparar à França em termos de riqueza, de diversidade de culturas e produtos, de universalidade?
A Espanha? Dois terços de sua superfície são cobertos por um terreno pedregoso e quente, seja por negligência, seja por natureza, e a costa atlântica da península, Portugal, não pertence a ela. A Itália? Desde a época em que rota comercial mundial passou para o oceano, desde o tempo em que os navios a vapor cruzavam o Mediterrâneo, a Itália está abandonada. A Inglaterra? Faz oitenta anos que a Inglaterra se resume a comércio e indústria, fumaça de carvão e pecuária, que a Inglaterra é coberta por um céu terrivelmente plúmbeo e não tem vinho. E a Alemanha? No Norte uma planície arenosa, separada do Sul europeu pelo paredão granítico dos Alpes, país pobre de vinho, terra da cerveja, da cachaça e do pão de centeio, terra de rios e revoluções assoreados!
Mas a França! Faz fronteira com três mares, é cruzada por cinco grandes rios em três direções; no Norte possui um clima quase alemão e belga e, no Sul, quase italiano; no Norte, trigo e, no Sul, milho e arroz; no Norte, colza e, no Sul, oliva; no Norte, linho e, no Sul, seda; e, em quase toda a parte, vinho. E que vinho!

Leituras complementares
Baixe os conteúdos complementares do mês em PDF!
Este mês trazemos uma seleção de três textos de apoio: a introdução de A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, uma carta de Engels a August Bebel publicada na Margem Esquerda e um trecho da biografia escrita por Gustav Mayer.
Clique nos botões vermelhos abaixo para fazer o download!
Friedrich Engels
A situação da classe trabalhadora na Inglaterra
Friedrich Engels
Carta a August Bebel
Gustav Mayer
Friedrich Engels: uma biografia

Vídeos
Este mês trazemos o lançamento antecipado de Esboço para uma crítica da economia política e outros textos de juventude, com José Paulo Netto, a aula “A criação do marxismo”, parte da comemoração dos 200 anos de Engels com Virgínia Fontes e, por fim, José Paulo Netto apresentando a coleção Marx-Engels da Boitempo.

Para aprofundar…
Compilação de textos, podcasts e vídeos que dialogam com a obra do mês.

Friedrich Engels: uma biografia, de Gustav Mayer
Curso livre Marx-Engels: a criação destruidora, organização de José Paulo Netto
A origem da família, da propriedade privada e do Estado, de Friedrich Engels
A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, de Friedrich Engels
Dialética da natureza, de Friedrich Engels
A sagrada família, de Friedrich Engels e Karl Marx
Anti-Dühring, de Friedrich Engels
Sobre a questão da moradia, de Friedrich Engels
Manifesto comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels
A ideologia alemã, de Karl Marx e Friedrich Engels
O socialismo jurídico, de Friedrich Engels e Karl Kautsky

Ontocast: #38 – O Jovem Engels, com Gabriel Carvalho, Ciro Domingos e Felipe Cotrim, jun.2021.
Revolushow: Curso Livre Marx & Engels 05 – A Criação do Marxismo, com Virgínia Fontes, fev. 2021.
Revolushow: Curso Livre Marx & Engels 04 – Crítica da Família e Estudos Antropológicos de Engels, com Marília Moscovitch, fev.2021.
Revolushow: Curso Livre Marx & Engels 01 – O Pensamento de Engels, com José Paulo Netto, jan. 2021.
Armas da Crítica: CB #07 – A crítica da economia política em Marx, com Jorge Grespan, abril 2019.

Debate – 200 anos de Engels, com Maria Lygia Quartim de Moraes, Sabrina Fernandes e Osvaldo Coggiola, TV Boitempo, 2020.
200 anos de Friedrich Engels, com José Paulo Netto, Tutaméia TV, 2020.
Engels e os estudos feministas, com Maria Lygia Quartim de Moraes, TV Boitempo, 2019.
Feminismo, família, propriedade privada e Estado, com Flávia Biroli, Manuela D’Ávila e Maria Ribeiro, TV Boitempo, 2019.
Marx/Engels e Lênin diante da revolução, com Tariq Ali,TV Boitempo, 2018.
Os manuscritos de Karl Marx e Friedrich Engels, com Michael Heinrich, TV Boitempo, 2018.
Engels como sociólogo da religião, com Michael Löwy, TV Boitempo, 2015.
A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, com Ricardo Antunes, TV Boitempo, 2013.

“Friedrich Engels: uma ode à beleza e à práxis revolucionária”, por Roberta Traspadini, Blog da Boitempo, abril 2021.
“Ciência e dialética materialista na obra de Engels“, por Laura Luedy, Blog da Boitempo, dez. 2020.
“O pioneirismo e a atualidade de Engels“, por Clara Araujo, Blog da Boitempo, abril 2019.
“Sobre a questão da moradia, de Friedrich Engels“, por Guilherme Boulos, Blog da Boitempo, maio 2015.
“Marx, Engels e a Rússia“, por Milton Pinheiro, Blog da Boitempo, out. 2013.
“O retorno de Engels“, por John Bellamy Foster, Jacobin, nov. 2020.
“Friedrich Engels foi mais do que um segundo violino para Karl Marx“, por Marcello Musto, Jacobin, nov. 2020.
“Sem Engels não haveria Marxismo“, TraduAgindo, ago. 2020.
“Karl Marx e a crítica da economia política“, por Friedrich Engels, Lavra Palavra, 2018.
A edição de conteúdo deste guia é de Isabella Meucci e as artes são de Heleni Andrade.
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