8 de janeiro: dois anos depois
Foto: Joédson Alves (Agência Brasil).
Há exatos dois anos, em 8 de janeiro de 2023, golpistas tomavam a Praça dos Três Poderes, em Brasília. Para refletir sobre a data, recuperamos alguns artigos publicados aqui no Blog da Boitempo ao longo desse período. De textos escritos no calor da hora, que buscaram interpretar os acontecimentos à luz do resultado acirrado das eleições presidenciais de 2022, passando por análises posteriores, que procuram avaliar a resposta do governo Lula aos setores civis e militares envolvidos, ou mesmo compreender as raízes históricas da permanência do golpismo na vida política brasileira, confira abaixo cinco reflexões sobre os atentados golpistas.
“A Intentona de 8 de janeiro de 2023“, por Lincoln Secco, Rosa Gomes e Fernando Sarti Ferreira
11 de janeiro de 2023
“A cada fracasso, muitos se erguem para afirmar a impossibilidade de o golpe ocorrer, apontando a falta de apoios internos ou externos. No entanto, é preciso observar que cada ação dessa serve à consolidação do fascismo. Cada ação dessas desacredita o Estado e a impunidade encoraja mais e mais funcionários da segurança a se solidarizarem com o fascismo. Mesmo que aparentemente aqueles que o apoiam venham a público defender a democracia e condenar os ‘poucos extremistas’.”
“Autocracia como gestão da democracia: o que virá do 8 de janeiro?“, por Maria Orlanda Pinassi e Gisele Sifroni
18 de janeiro de 2023
“A rejeição ao quebra-quebra de domingo acabou por ampliar enormemente a base de apoio ao novo governo em todas as esferas da vida nacional. Na defesa do carcomido Estado Democrático de Direito, os 27 governadores recém empossados da nação apostaram na unificação e centralização do poder em torno de Lula, que ainda recebeu reforço de um alinhado peso pesado de primeira linha, o Poder Judiciário, incumbido de punir os golpistas e enfraquecer a oposição de extrema-direita, a única com base social capaz de algum enfrentamento, pelo menos neste momento. […] Diante de todo esse frenesi, ficamos nos perguntando por que os demais crimes hediondos e irreversíveis cometidos por Bolsonaro, como a destruição ambiental dos cinco biomas do nosso território, a degradação social geradora de uma nova grande fome, o genocídio sanitário que levou, no mínimo 700 mil pessoas e o extermínio de populações indígenas, de negros e pobres das periferias não conseguiram despertar tanto repúdio como o vilipêndio das insígnias de uma democracia capenga?“
“A memória remoída“, por Edson Teles
12 de março de 2024
“Um dos resultados mais impactantes do negacionismo estatizado foi a recente tentativa de golpe de Estado de nossa história: o de 8 de janeiro de 2023.
A mobilização da massa de apoiadores da extrema direita somente foi possível com a narrativa de que houve na Ditadura de 64 um momento de crescimento e de ordem, favorável às pessoas “de bem” e à “família”. Com essa fake news histórica somada a estratégias nacionais e globais da direita se criaram condições favoráveis à emergência das forças golpistas.”
“Fim da escala 6×1 e atentados bolsonaristas: mais uma chance para o Brasil“, por Luiz Eduardo Soares
23 de novembro de 2024
“O 8 de janeiro caiu como uma bomba e plasmou a nova realidade a enfrentar — do ponto de vista do governo, tratava-se da fortuna: a objetividade alheia à sua vontade e à sua ação. Uma nova realidade a condicionar o campo do possível. A reação de Lula e de seus auxiliares, a despeito de falhas anteriores (como a má condução da transição na Defesa, no GSI e na ABIN), foi extremamente ágil, lúcida e competente, recusando-se a morder a isca de uma GLO, que seria o cavalo de Tróia. No entanto, eu ousaria afirmar que os desdobramentos não foram explorados de modo virtuoso. Explico: o cisma entre autoridade (cuja fonte é a soberania popular mediada pelo voto) e poder (o controle efetivo dos aparelhos de coerção, que garantem, em última instância, o exercício prático da autoridade) ainda existia, ostensivamente; as Forças Armadas ainda abrigavam manifestantes clamando por golpe ao redor dos quartéis e persistiam silentes ante a escalada predatória pós-eleitoral, em Brasília — e não só. O comportamento face aos atos em 8 de janeiro era, no mínimo, dúbio. […] O caos na Praça dos Três Poderes conferiu, paradoxalmente, inesperada força ao governo federal para, depois da timidez revelada no primeiro momento, assumir plenamente o comando da Defesa, não apenas trocando comandos, mas apresentando ao país um plano de reforma institucional das três Armas, visando subordiná-las, definitivamente, à suprema autoridade civil e política — como tem, reiteradamente, pleiteado Manuel Domingos Neto. A iniciativa poderia vir acompanhada da sempre postergada reforma das polícias, ou melhor, da arquitetura institucional da segurança pública. Naquele momento de fraqueza do golpismo, de desestabilização do bolsonarismo, a correlação de forças teria permitido avanços significativos.“
“Ainda estamos aqui, apesar de vocês“, por Janaína Teles
2 de dezembro de 2024
“Após os violentos ataques golpistas direcionados contra os três poderes no dia oito de janeiro de 2023 e os recém-descobertos planos para assassinar Lula, Alckmin e o ministro do STF, Alexandre de Moraes, espera-se que a Suprema Corte e a Presidência da República não utilizem argumentos políticos, em detrimento dos jurídicos, para passar pano para militares golpistas e torturadores. […] No Brasil, o trabalho de luto relacionado a esse período da história não teve o caráter social ou coletivo como foi e ainda é vivenciado em outros países latino-americanos. O esquecimento, entretanto, não é possível, conforme demonstram os relatos dos familiares de mortos e desaparecidos. Este fato é revelado no belo filme Ainda estou aqui, que tanto interesse tem despertado na sociedade brasileira na atualidade. Com efeito, ainda estamos aqui, em busca de ‘Verdade e Justiça’, apesar da prevalência da impunidade.”
LIVROS PARA SE APROFUNDAR NO TEMA



Petrobras e petroleiros na ditadura: trabalho, repressão e resistência, de Luci Praun, Alex de Souza Ivo, Carlos Freitas, Claudia Costa, Julio Cesar Pereira de Carvalho, Luiz Marques, Márcia Costa Misi, Marcos de Almeida Matos e Vitor Cerqueira Góis
No ano em que se completam 60 anos do golpe civil-militar no Brasil, chega às livrarias a obra Petrobras e petroleiros na ditadura: trabalho, repressão e resistência, coletânea que aborda a relação entre a Petrobras e a ditadura no país. Fruto de investigação realizada ao longo dos últimos anos, o livro aprofunda e amplia o pouco que sabemos sobre a colaboração da maior empresa do Brasil com o brutal regime de exceção que imperou no país durante 21 anos.
O que resta da ditadura: a exceção brasileira, organização de Vladimir Safatle e Edson Teles
Bem lembrada na frase que serve de epígrafe ao livro, a importância do passado no processo histórico que determinará o porvir de uma nação é justamente o que torna fundamental esta obra. Organizada por Edson Teles e Vladimir Safatle, O que resta da ditadura reúne uma série de ensaios que esquadrinham o legado deixado pelo regime militar na estrutura jurídica, nas práticas políticas, na literatura, na violência institucionalizada e em outras esferas da vida social brasileira.
Cães de guarda, de Beatriz Kushnir
Nascido de intensa pesquisa sobre um dos aspectos fundamentais do regime militar: sua relação com os órgãos de imprensa, da censura à colaboração. Beatriz Kushnir a formação, as bases jurídicas e as diretrizes que orientavam o trabalho da censura, baseando-se em extensa pesquisa documental, além de entrevistas, inclusive com onze censores – aspecto inédito – cujo trabalho era “filtrar”, na imprensa e nas artes, o que incomodasse o regime não só no campo político, como também na cultura e até no campo da moral.



Desmilitarizar, de Luiz Eduardo Soares
Segurança pública tem sido tema recorrente na agenda pública, mas sua transformação profunda nunca esteve em cogitação. Nesta obra, o antropólogo Luiz Eduardo Soares coloca em questão as razões para o imobilismo brasileiro em face da questão da violência. A partir do entendimento dos problemas diagnosticados tanto na esfera pública quanto na privada, o autor oferece propostas e orientações claras para superá-los.
Bala perdida: a violência policial no Brasil e os desafios para sua superação
Coletânea que reúne vozes distintas, como psicanalistas, pesquisadores e ativistas, para abordar a complexa problemática da violência policial no Brasil. Desde análises críticas sobre a mídia até reflexões sobre desmilitarização e direitos humanos, oferece uma visão abrangente sobre um tema crucial.
O ódio como política, de Esther Solano (org.)
Um panorama amplo e diversificado das direitas pós-ditadura militar no Brasil, revelando facetas históricas, políticas e culturais que contribuíram para a atual polarização e radicalização política. Este livro oferece reflexões essenciais sobre o panorama político brasileiro.



Ditadura: o que resta da transição, organização de Milton Pinheiro
A coletânea enfrenta o desafio de reinterpretar uma história em que vários aspectos estão ainda por decifrar, desde o contexto por trás do golpe até a campanha pelas Diretas Já. Com ensaios inéditos de pensadores como João Quartim de Moraes, Anita Prestes, Lincoln Secco, Décio Saes, Marco Aurélio Santana, entre outros, o livro traça um rico panorama das continuidades e rupturas na história contemporânea brasileira, abrangendo temas como as mutações da ideologia, o lugar dos intelectuais, dos sindicatos, a mobilização comunista, as políticas econômicas e a presença dos partidos políticos.
Sinfonia inacabada, de Antonio Carlos Mazzeo
Análise apaixonada e crítica do PCB e da esquerda no Brasil, traça a história destacando erros e acertos, e examina a luta por um futuro melhor, tudo no contexto dos 100 anos de fundação do PCB. Um olhar essencial sobre a esquerda no Brasil.
Memórias, de Gregório Bezerra
Uma impressionante narrativa autobiográfica que traça a vida de um icônico líder da resistência à ditadura militar no Brasil. A história do líder comunista é contada com paixão, sofrimento e a busca incansável por justiça social. Um relato inspirador e impactante da luta por igualdade e socialismo.
Arrigo, de Marcelo Ridenti
Arrigo apresenta ao leitor aventuras e desventuras do personagem que dá nome ao livro. Em uma visita corriqueira, o narrador, participante da narrativa, encontra Arrigo inerte em uma cadeira de balanço. Quando decide procurar ajuda, a porta emperra e o impede de sair do apartamento. A partir daí, decide terminar um antigo projeto de contar a história de Arrigo e companheiros enquanto aguarda socorro para tirá-los do esvaziado edifício Esplendor, no centro de São Paulo. Autor de diversas obras de não ficção, Ridenti traz em seu romance de estreia uma mescla de realismo e fantasia e revisita pela ficção cem anos de história da esquerda brasileira.
Um dia esta noite acaba, de Roberto Elisabetsky
Neste romance histórico, Roberto Elisabetsky entrelaça a história de uma família com a história recente de nosso país, por meio de uma estrutura que alterna a ação das personagens no dia do comício com recortes históricos de sua trajetória e a do Brasil, desde o fim da década de 1950 até aquela fatídica noite. Ambas as narrativas convergem para um desfecho surpreendente e emocionante. Uma história sobre o preço pago pela sociedade brasileira na luta por direitos democráticos, em contraponto aos riscos que a democracia enfrenta novamente no atual momento político do país.
Soledad no Recife, de Urariano Mota
O livro Soledad no Recife percorre as veredas dos testemunhos e das confissões ao reviver a passagem da militante paraguaia Soledad Barret pelo Recife, em 1973, e a traição que culminou em sua tortura e assassinato pela ditadura militar. Delatada pelo próprio companheiro Daniel, conhecido depois como Cabo Anselmo, Soledad morre com um grupo de candidatos a guerrilheiros, na capital pernambucana, pelas mãos da equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury. O episódio ficou conhecido como “O massacre da chácara São Bento” e revelou-se mais um extermínio do que um confronto armado. A trama real inspira o romance em que Urariano Mota – com a propriedade de que viveu e sobreviveu aos anos pós 1964 – resgata os vestígios da traição arquitetada contra Soledad e contra o país naqueles tempos, com o olhar reflexivo de quem volta ao passado.
Cabo de guerra, de Ivone Benedetti
O arrebatador Cabo de guerra invoca fantasmas do passado militar brasileiro pela perspectiva incômoda de um homem sem convicções transformado em agente infiltrado. No final da década de 1960, um rapaz deixa o aconchego da casa materna na Bahia para tentar a sorte em São Paulo. Em meio à efervescência política da época, que não fazia parte de seus planos, ele flerta com a militância de esquerda, vai parar nos porões da ditadura e muda radicalmente de rumo, selando não apenas seu destino, mas o de muitos de seus ex-companheiros.
PARA CONVERSAR COM AS NOVAS GERAÇÕES SOBRE O TEMA
A ditadura é assim, de Equipo Plantel, com ilustrações de Mikel Casal
O cotidiano de um emburrado ditador ilustra como funciona a sociedade dentro de um regime autoritário. A ditadura é assim é o segundo volume da coleção Livros para o amanhã, que discute a maneira como as pessoas se relacionam em sociedade. O propósito deste livro é mostrar o funcionamento e os perigos da ditadura partindo de exemplos simples, a fim de que as crianças compreendam o problemas existentes em um sistema político que privilegia uma única corrente de pensamento em detrimento das outras.
A misteriosa história do ca.di.re.me., de Tatiana Filinto
Em um mundo de conexões instantâneas, Julia e Olivia desvendam segredos através de cartas, mergulhando em reflexões entre endereços distantes. Quando o misterioso sumiço do diário compartilhado por elas se entrelaça com o desaparecimento de Zulmira na ditadura, uma trama delicada e cheia de mistério se desenrola. Amizade, amor e transformação costuram esta narrativa única, convidando você a desvendar enigmas e emoções entre páginas
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